INTERPELAÇÃO ESCRITA
Excesso ou Invasão de Privacidade (Utilização de dispositivos pessoais de telecomunicações para actividades profissionais)
Em Macau, a legislação sobre a utilização de dispositivos pessoais de telecomunicações no local de trabalho é regida principalmente pelo Regime de Trabalho de Macau (Lei nº 7/2008).
Por outro lado, e tendo em consideração a fiscalização das actividades dos empregados pelos empregadores com o objectivo de uma efectiva implementação da Lei n.° 8/2005 (Lei da Protecção de Dados Pessoais), o Gabinete para a Protecção de Dados Pessoais, elaborou e publicou, em Setembro de 2007, os princípios para garantir a protecção de dados pessoais em locais de trabalho, com instruções aos empregadores concernetes às políticas de fiscalização dos empregados, evitando a violação das leis por parte dos empregadores.
De acordo com a vigente legislação laboral os empregadores têm o direito de estabelecer regulamentos internos relacionados ao uso de dispositivos pessoais de telecomunicações durante o horário de trabalho, incluindo o estabelecimento de restrições ou limitações para o uso desses dispositivos durante o expediente, a fim de garantir a produtividade e a segurança no local de trabalho, mas esses regulamentos não estabelecem a instalação de aplicações desenvolvidas pelas empresas, ou qualquer organização, incluindo as da função pública, em dispositivos pessoais dos empregados, porquanto isso constitui um excesso ou invasão de privacidade, e uma flagrante violação dos direitos fundamentais da reserva da intimidade da vida privada, e da proteção de dados pessoais, competindo à entidade empregadora o fornecimento do equipamento ao empregado, assim como a responsabilidade pelo pagamento das despesas com os serviços de telecomunições.
Também o nosso Gabinete de Atendimento aos Cidadãos tem ultimamente recebido mais queixas relativas a casos bastante comuns de assédio moral no local de trabalho dentro da função pública. Esses casos envolvem superiores hierárquicos que estabelecem metas abusivas de trabalho diário e semanal, tratam os subordinados de forma grosseira e humilhante, reclamam e criticam tudo o que é feito, mesmo sem motivo justificável, excluem os subordinados de reuniões de trabalho conjunto com outros colegas, complicam e impedem o exercício dos direitos dos trabalhadores, e desconsideram problemas de saúde, entre outras questões.
Infelizmente, a maioria dessas queixas não é apresentada às autoridades competentes por medo de represálias e da não renovação dos contratos de trabalho, o que afecta o sustento das famílias dos trabalhadores. Como resultado, os abusos continuam a ocorrer sem que exista uma entidade oficial que supervisione e puna efetivamente essas práticas.
Mais recentemente, temos recebido relatos que alguns serviços públicos, que adoptam práticas abusivas, usando constantemente o nome do Governo da RAEM, coagindo-os a instalarem aplicações informáticas de trabalho nos seus telemóveis pessoais, tais como o sistema GIM (Government Information Management), no pressuposto que essa prática pretenderia facilitar as actividades dos funcionários, com acesso directo ao ambiente de trabalho, tanto dentro como fora do horário de expediente, resultando na mistura de ferramentas de trabalho e actividades particulares, em dispositivos pessoais de telecomunicações.
O aspecto mais preocupante desta situação é que os actuais smartphones (os modernos telemóveis inteligentes), que possuem recursos de GPS automáticos, podem permitir que esses serviços públicos, ao instalarem as aplicações de âmbito profissional, possam rastrear a localização dos trabalhadores, seja dentro da RAEM ou no exterior. Isso não só compromete a qualidade de vida dos trabalhadores, mas também mistura a sua actividade profissional com sua vida pessoal, resultando na violação de sua privacidade.
Muitos dos trabalhadores, que apresentaram as queixas referentes à imposição da instalação de aplicações informáticas de trabalho nos seus telemóveis pessoais, mencionaram que foram forçados, e ameaçados, a aceitar estas exigências sob a ameaça de prováveis consequências negativas e alguns deles começaram a ser obrigados a desempenhar tarefas de menor importância e que não correspondem às suas reais funções, tendo sido informados, de forma sub-reptícia, que poderiam ser excluídos de oportunidades de promoção na carreira, ou a serem designados para cargos de chefia, como forma de retaliação.
Atendendo a que estas práticas são extremamente preocupantes e violam os direitos e a dignidade dos trabalhadores, sendo fundamental que esses casos sejam investigados e tratados pelas autoridades competentes, a fim de garantir um ambiente de trabalho justo e digno, e a protecção dos direitos e a privacidade dos trabalhadores, solicito ao Governo, que me sejam dadas respostas, de uma forma CLARA, PRECISA, COERENTE, COMPLETA, e em tempo útil, às seguintes questões:
1. Considerando que o artigo 32º da Lei Básica garante a liberdade e o sigilo dos meios de comunicação dos residentes de Macau, os telemóveis particulares dos trabalhadores da função pública, e as suas conexões às redes das operadoras de telecomunicações, não deveriam ser utilizados de forma arbitrária e gratuita pelos serviços públicos, como ferramentas de trabalho ou canais de comunicação oficiais, em tempo integral, impõe-se questionar qual a base legal para que alguns serviços públicos possam coagir e forçar os trabalhadores a assinar declarações de consentimento para o uso gratuito de seus telefones celulares particulares para fins oficiais? Irão os serviços públicos fornecer telemóveis oficiais e cobrir as despesas dos serviços das operadoras de telecomunicações, e prover a instalação de aplicações plurifuncionais, actualmente instaladas nos telemóveis particulares dos funcionários, tais como o WhatsApp ou o WeChat, para comunicação e desempenho de atividades laborais, e subsidiar as horas extraordinárias realizadas fora do horário de expediente?
2. Que medidas concretas, incluindo o estabelecimento de políticas e diretrizes claras, sensibilização e formação, canais de denúncia seguros, e metodologia de investigação imparcial e efectiva, tenciona o Governo de Macau desenvolver e implementar, para prevenir o assédio moral, procedimentos abusivos, e estabelecer padrões de comportamento adequados e promover uma cultura de respeito e igualdade no ambiente de trabalho na função pública? Que processos de apoio serão garantidos aos trabalhadores que relatem casos de abuso de autoridade, incluindo aconselhamento, acompanhamento psicológico e assistência jurídica, e que medidas irão ser implementadas para proteger os denunciantes de qualquer forma de retaliação no local de trabalho?
3. Considerando que a instalação de aplicações de âmbito profissional em telefones, tablets ou computadores de utilização privada, permitindo que estes dispositivos pessoais acedam ou armazenem informação relacionada com as actividades profissionais, aumentam significativamente a probabilidade de risco de ataques cibernéticos, ou incidentes relacionados com a segurança informática, que originem violação de dados, quais os critérios subjacentes à imposição da instalação de aplicações informáticas de trabalho nos telemóveis pessoais dos funcionários públicos? Foi o Gabinete de Protecção de Dados Pessoais previamente consultado sobre a instalação do aplicativo GIM nos telemóveis particulares dos trabalhadores da função pública, colocando em risco a segurança de dados pessoais nesses dispositivos?
O Gabinete do Deputado à Assembleia Legislativa da Região Administrativa Especial de Macau aos 26 de Março de 2024.
José Pereira Coutinho