INTERPELAÇÃO ESCRITA
“A importância da supervisão bancária na RAEM de acordo com os princípios do acordo de Basileia garantindo o bem-estar económico da sociedade”
A recente crise de instituições financeiras no sector bancário dos Estados Unidos da América, fez crescer o receio de uma nova crise sistémica, e a preocupação a nível mundial com a resiliência do sistema bancário. Por estar envolta num elevado nível de incerteza, a actual conjuntura, que teve início com o colapso do Silicon Valley Bank (SVB), trouxe-nos rapidamente à memória a grave crise financeira do “subprime” que abalou a economia mundial em 2008, e embora se afigure extemporânea a comparação, o que ressalta desta turbulência bancária é a fragilidade de alguns importantes princípios da gestão financeira, como a ausência de regulação e de maior presença das autoridades competentes na esfera da economia, através de uma supervisão prudente e mais apertada, nomeadamente nas operações especulativas, e a deficientes administrações das instituições financeiras, que aumentam consideravelmente a imprevisibilidade do sistema.
A actual crise bancária nos EUA, que teve início com o colapso do Silicon Valley Bank (SVB), uma instituição ligada ao sector das startups, capital de risco e empresas inovadoras e tecnológicas, está relacionada com a deficiente gestão da liquidez da instituição financeira, e o efeito da forte alta das taxas de juros implementada nos EUA. De facto, a falha ocorre na gestão de risco entre activos e passivos do banco, com o investimento de depósitos de clientes em títulos do tesouro americano, de longa duração, que embora sendo considerados seguros, se desvalorizaram consideravelmente quando a Sistema de Reserva Federal dos Estados Unidos (The Fed) começou a subir os juros resultando na desvalorização do valor nominal destes títulos, tendo o banco que vender as obrigações com perdas, o que gerou problemas de tesouraria, que rapidamente se traduziu em preocupação nos seus clientes, com uma corrida ao banco, levando à sua insolvência.
Durante este perído, assistiu-se também ao encerramento de outras duas instituições que operavam no mercado de criptoactivos, Signature Bank e o Silvergate Bank, também com problemas de liquidez, para além da Fed ter que intervir alargando a mais bancos a linha de financiamento de emergência, impedindo que mais um banco, o First Republic, soçobrasse com a pressão.
Não obstante terem sido implementadas rapidamente medidas preventivas para reduzir a probabilidade de uma crise sistémica, e a possibilidade de uma nova corrida bancária aos pequenos e médios bancos, o sistema financeiro voltou a ser abalado com o anúncio de que o Credit Suisse precisava de novas injecções de capital, o que, num banco desta dimensão, poderia introduzir acrescidas preocupações no mercado e fazer soar os alarmes sobre uma nova crise financeira a nível mundial.
A AMCM, é a autoridade de supervisão dos sistemas monetário e financeiro, na RAEM e actua na defesa do interesse público, devendo zelar pela estabilidade do sistema financeiro, fiscalizando regularmente, e de uma forma eficaz e independente, os modelos de avaliação de risco de crédito adoptados pelas instituições bancárias locais, de acordo com os princípios do Acordo de Basileia, garantindo o bem-estar económico da sociedade.
Recentemente, a Autoridade Monetária de Macau (AMCM) divulgou um comunicado informando que “o sistema bancário de Macau se mantém estável e com liquidez suficiente”, e que “os bancos de Macau não se encontram, actualmente, em qualquer situação de exposição de risco, designadamente expostos a quaisquer riscos relacionados com o ‘Silicon Valley Bank’ e o ‘Signature Bank’”, as duas extintas instuições bancárias acima referidas, estando a “Autoridade Monetária de Macau (AMCM) atenta à intervenção das autoridades reguladoras estrangeiras em determinados bancos, bem como aos efeitos em cadeia que resultam desta intervenção, que não implicam qualquer impacto sobre a estabilidade do sistema bancário de Macau.”, concluindo que “o sistema bancário de Macau detém, actualmente, liquidez e resistência suficientes a riscos inesperados.”
Dos princípios fundamentais para uma supervisão bancária eficaz, incluídos no Acordo de Basileia, um tratado estabelecido com o objectivo de regular o funcionamento dos bancos e instituições financeiras, e de fortalecimento do sistema financeiro global, destacam-se o princípio identificação, clareza, veracidade, transparência e equilíbrio na informação dos actos das instituições de crédito e sociedades financeiras, para que as autoridades de supervisão e os clientes, e demais stakeolders, reúnam as condições necessárias para identificar antecipadamente eventuais problemas, permitindo a implementação preventiva de soluções que visem diminuir e eliminar riscos do sector.
O acesso dos cidadãos a produtos e serviços financeiros seguros e fiáveis, adequados às suas necessidades, é um factor-chave para o desenvolvimento da economia e para o bem-estar das populações. As instituições de crédito disponibilizam o acesso, a estes serviços financeiros, aos cidadãos que deles necessitam, seja para efectuar depósitos, ou para contrair empréstimos e hipotecas, pelo que é essencial para o reforço da confiança dos mercados, e dos depositantes, saber que as instituições financeiras estão a ser correctamente supervisionadas, pelas entidades competentes, reduzindo a probabilidade de corridas a bancos e a ocorrência de outras formas de contágio financeiro.
Acontece que, recentemente, o nosso Gabinete de Atendimento aos Cidadãos tem recebido algumas queixas dos cidadãos, relacionadas com o atraso considerável, que pode atingir uma semana, no processo de aquisição de divisas estrangeiras em moeda, tais como Euros e Dólares americanos, não dando as instituições de crédito locais qualquer explicação para o tempo anormal de demora.
De acordo com o estatuto da Autoridade Monetária e Cambial de Macau, aprovado pelo Decreto Lei no.14/96/M, de 11 de Março, compete a esta entidade, no âmbito das suas atribuições de fiscalização, e no articulado do Artigo 10.º, examinar, em qualquer momento, com ou sem aviso prévio, as transacções, livros, contas e demais registos ou documentos e verificar as existências e valores, quer dos operadores autorizados a exercer a actividade nas áreas monetária, financeira, cambial ou seguradora, quer de quaisquer outras pessoas e entidades relativamente às quais haja indícios de exercício ilegal de actividade nas referidas áreas.
Por outro lado, a realização de testes de esforço (stress-tests) é uma prática regular das autoridades de supervisão no âmbito da avaliação de risco das instituições financeiras e do sector bancário, tendo por objectivo testar a resiliência das instituições face a eventuais choques adversos e identificar potenciais vulnerabilidades.
Embora as crises de liquidez não sejam tão frequentes, os seus impactos são altos (eventos de baixa frequência e de alto impacto), especialmente devido aos seus efeitos de contágio e às consequências da interação entre os fatores de risco bancário.
Neste contexto, é genuinamente compreensível, e da mais elementar prudência, que muitos cidadãos estejam interessados em questionar se foram exigidos, e efectuados, “testes de esforço” do risco de liquidez de bancos, e demais instituições financeiras, para determinar as potenciais fontes de risco que podem encontrar em cenários de mudança severa nas condições macroeconômicas e avaliar a sua capacidade de resistência a tais eventos. Estes testes, tanto a nível de instituições individuais, como a todo o sistema financeiro, para além da análise à capacidade operacional normal, permite uma mais adequada detecção e quantificação de vulnerabilidades e aferir a estabilidade do sistema ou da entidade em questão, nomeadamente no que concerne ao risco de liquidez de financiamento e o risco de liquidez do mercado.
Assim sendo, interpelo o Governo, solicitando, que me sejam dadas respostas, de uma forma CLARA, PRECISA, COERENTE, COMPLETA e em tempo útil sobre o seguinte:
1. Que resultados foram obtidos, nestes últimos cinco anos, pela Autoridade Monetária de Macau (AMCM), como entidade independente, no processo de análise de tomada de decisões de instituições financeiras, nomeadamente os operadores autorizados a exercer a actividade nas áreas monetária, financeira, cambial ou seguradora? Tem a AMCM procedido regularmente à fiscalização destas instituições de crédito, sociedades financeiras, instituições de pagamento e instituições de moeda electrónica, com sede na RAEM, e que procedimentos sancionatórios foram instaurados, nos últimos cinco anos, à má conduta das instituições de crédito supervisionadas, na comercialização de produtos e serviços bancários de retalho? Que medidas concretas estão a ser adoptadas para que a supervisão comportamental tenha como principal objectivo garantir a transparência de informação, prestada pelas entidades supervisionadas, aos seus clientes, na comercialização de produtos e serviços bancários, incluindo as entidades que exercem a actividade prestamista, exercida por pessoas, singulares ou coletivas, assegurando o cumprimento do quadro normativo destes produtos e serviços, e contribuindo assim para a estabilidade, a eficiência e o desenvolvimento do sistema financeiro?
2. Que medidas concretas estão a ser adoptadas pela AMCM para assegurar de que os bancos adoptam uma estratégia eficaz para manter o equilíbrio financeiro, com políticas e processos prudentes para identificar, mensurar, avaliar, monitorar, reportar, controlar e mitigar a exposição destas instituições de crédito ao risco de liquidez?
3. Tem a AMCM implementado acções concretas que assegurem que os bancos adoptam, de facto, sistemas de controlo interno, e de auditoria, fiáveis e adequados ao volume e complexidade de seus negócios, incluindo regras explícitas para delegação de autoridade e responsabilidade, a separação das funções que envolvem decisões para a assunção de compromissos pelo banco, que dispõem dos seus fundos, e que contabilizam os seus activos e passivos, a reconciliação desses processos, a protecção dos activos do banco e funções de auditoria interna independente, e de verificação de conformidade, apropriadas para testar a aderência a esses controlos, bem como a leis e regulamentos aplicáveis?
O Gabinete do Deputado à Assembleia Legislativa da Região Administrativa Especial de Macau aos 11 de Abril de 2023.
José Pereira Coutinho