2021-11-04 IAOD
José Maria Pereira Coutinho
As autoridades competentes devem interpretar e cumprir rigorosamente o Direito e a Liberdade de organizar e participar em associações sindicais e em greves nos termos do artigo 27.º da Lei Básica, das Convenções n.º s. 87, 98, 105 e os PIDESC e o PIDCP
Após mais de duas décadas do estabelecimento da RAEM, o Governo decidiu finalmente cumprir com a obrigação exigida na Lei Básica de regular alguns dos seus direitos fundamentais apresentando um documento para consulta pública sobre a futura lei sindical.
O documento de consulta pública que decorre de 31 de Outubro a 14 de Dezembro do corrente ano, inicia por atrofiar e limitar profissões tais como os trabalhadores da Administração Pública, pessoal médico e de enfermagem, concessionárias de água, electricidade, telecomunicações, transportes colectivos e forças e serviços de segurança e já agora e porque não também as concessionárias do Jogo¬?
A eliminação destas profissões põe em causa o critério da aplicabilidade directa do artigo 27.º da Lei Básica no que se refere aos Direitos Liberdades e Garantias dos sindicatos e da negociação colectiva, porque estes se encontram dotados de “densidade suficiente” para serem feitos valer na ausência de lei ou mesmo contra qualquer outra lei posterior. A Lei Básica visa simultaneamente constituir o poder de criar sindicatos e não a limitar grupos de trabalhadores. Classificar sindicatos em sectores e profissões é excluir e proibir aquilo que não está excluído e proibido na Lei Básica e nas Convenções da OIT e Pactos Internacionais. Os direitos fundamentais nele constantes são direitos para-constitucionais e o seu valor é independente do seu reconhecimento por uma declaração de direitos fora do articulado para-constitucional. Para que servirá uma lei sindical que vai deixar dezenas de milhares de trabalhadores sem apoio das estruturas sindicais?
Como dissemos este documento de consulta atrofia brutalmente o núcleo central dos direitos fundamentais dos trabalhadores constante no artigo 27.º da Lei Básica resultando numa lei sindical “amputada” “coxa” e “inoperante”.
Faço lembrar que às Convenções da OIT nºs 87 e 98 se atribui uma natureza jurídica de declaração internacional de direitos humanos, pois tratam de direitos fundamentais de titularidade dos trabalhadores e empregadores. De acordo com o artigo 2º da Convenção n. 87:
“Os trabalhadores e as entidades patronais, sem distinção de qualquer espécie, têm o direito, sem autorização prévia, de constituírem organizações da sua escolha, assim como o de se filiarem nessas organizações, com a única condição de se conformarem com os estatutos destas últimas.”
A liberdade sindical é assim, a garantia de livre criação de associações sindicais sem prévia autorização do Poder Público, devendo seus membros observar apenas os respectivos estatutos, sendo vedada a dissolução ou suspensão pela via administrativa (Convenção n. 87, artigos 2º e 4º). Da mesma forma, as organizações de trabalhadores e entidades patronais têm o direito de elaborar os seus estatutos e regulamentos administrativos, de eleger livremente os seus representantes, organizar a sua gestão e a sua actividade, além de formular o seu programa de acção, devendo as autoridades públicas se abster de qualquer intervenção susceptível de limitar o exercício de tal direito (Convenção n. 87, artigo 3º).
Como salientamos, a liberdade de associação sindical é um direito fundamental assegurado nos termos do artigo 27.º da Lei Básica. Ela deve ser uma entidade sindical livre, sem subordinação aos empregadores ou às limitações e intervenções dos serviços públicos e só assim sendo é que os trabalhadores poderão lutar e defender dos seus direitos.
No direito comparado europeu vigora o regime de pluralidade sindical, ou seja, existe uma garantia da concorrência na representação dos interesses dos trabalhadores concretizando uma autêntica liberdade sindical. Neste sistema vigora o regime da pluralidade sindical, ou seja, existe uma garantia da concorrência na representação dos interesses dos trabalhadores, há uma autêntica liberdade sindical. A concepção de liberdade sindical é, por si só, uma liberdade múltipla, que comporta na sua natureza diversas dimensões, podendo ser caracterizada tanto como liberdade individual, como colectiva.
No exercício desta liberdade, o sindicato não pode estar directa ou indirectamente submetido ou dependente do Governo e às forças políticas associativas ou às pressões que actuam ao seu lado nas relações sociais das autoridades competentes, das confederações e das federações sindicais e, ainda, do poder económico das sociedades empresárias.
Finalmente, apelo as autoridades competentes para uma análise comparativa de quase uma dezena projectos de lei que foram apresentados neste hemiciclo e que podem servir de comparação um melhor projecto bem estruturado e que responda às necessidades da sociedade em geral.
Muito obrigado.
O Gabinete do Deputado à Assembleia Legislativa da Região Administrativa Especial de Macau
José Pereira Coutinho