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JOSÉ PEREIRA COUTINHO

Deputado à Assembleia Legislativa e Presidente da Direcção da ATFPM

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INTERVENÇÃO ANTES DA ORDEM DO DIA

"A importância da imagem dos Tribunais na sociedade"

 

Prezo imenso, de ao longos dos anos ter sempre batalhado e defendido pela independência dos tribunais.

É fundamental afirmar, repetidamente, a separação entre o poder judicial e o poder político. Em particular, a independência dos tribunais relativamente ao órgão do poder executivo ou seja, o Governo.

Esta é a única maneira de limitar os abusos de poder. E assim, tem sido na RAEM. Os tribunais têm-se mostrado no essencial independentes ao longo de mais de duas décadas com um quadro de excelentes profissionais que como magistrados muito têm dignificado a RAEM.

Nunca na minha vida interferi num processo judicial ou em qualquer processo concreto ou para influenciar o resultado de qualquer julgamento.

A minha intervenção de hoje, é uma análise genérica, dignificadora, abrangente e respeitadora sobre o funcionamento geral dos tribunais e incidindo-se em certa cultura judiciária nos processos crime, isto é, ao modo como os tribunais se comportam de uma maneira geral com os arguidos e os seus defensores.

Os tribunais exercem um poder público, mas estão subordinados aos factos concretos e à lei. Quem tem o poder de aplicar a lei tem de dar o exemplo de a respeitar.

Numa sociedade livre e com protecção de direitos fundamentais, os tribunais estão, como qualquer outro detentor de poder público, sujeitos a um olhar crítico por todos nós, quer sejam cidadãos, jornalistas, deputados e até os turistas que nos visitam. A sociedade olha todos os dias sobre o funcionamento dos tribunais. Elogia, comenta e critica.

Nos últimos tempos, lemos nos meios de comunicação social chineses, portugueses e ingleses, as descrições de alguma dureza da parte de alguns tribunais, feitas por muitos advogados, jornalistas e por cidadãos que assistem aos julgamentos.

Não falo da dureza nas penas, mas a dureza na forma como se dirigem aos arguidos que são seres humanos e que merecem ser respeitados com toda a dignidade humana. No fundo, estamos a falar de seres humanos e que merecem todo o respeito.

Temos lido e ouvido relatos de alguns juízes a dar lições de moral a arguidos, a levantar-lhes a voz, a mandar calar os defensores e a tratar os arguidos como se já estivessem condenados, criticando-os e rebaixando-os.

Não devemos nunca esquecer que na RAEM, todos os arguidos beneficiam da presunção de inocência. Esta presunção de inocência mantém-se do princípio ao fim do processo. Mesmo e inclusivamente depois do julgamento mantém-se esta presunção de inocência até que os recursos sejam decididos.

Quando falamos com um arguido, falamos com uma pessoa que temos de presumir que à partida é inocente. Se fosse para o tratar como um condenado, não valia a pena fazermos julgamentos.

Os arguidos têm de ser tratados com todo o respeito. Os tribunais não existem para dar lições de moral, nem os juízes estão mais habilitados do que os outros cidadãos para discutir ética e ensinar valores éticos aos cidadãos.

Como jurista, posso garantir que os cursos de direito não ensinam moral, ética ou filosofia, excepto numas notas introdutórias.

Compete isso sim, à sociedade fazer juízos éticos sobre a conduta das pessoas, não aos tribunais. Os tribunais julgam os factos e aplicam a lei. Não ensinam moral, nem devem fazer crítica moral, ou fazer considerações sobre o carácter de cidadãos que são presumidamente inocentes.

Os juízes não estão acima dos cidadãos. Como nós deputados não estamos. Aliás os cidadãos são os "patrões" dos deputados e estes a eles prestam contas. 

Os poderes executivos, legislativos e judiciais não são poderes "divinais". São os cidadãos que estão sempre no topo da pirâmide. Nós, os deputados servimos os cidadãos. Os tribunais não podem comportar-se como se houvesse uma hierarquia entre juízes e cidadãos. Tal não dá respeito nem crédito à Justiça. O respeito conquista-se, não se impõe.

Por exemplo, muitas vezes lemos nos meios de comunicação social que as pessoas são condenadas para que na prisão possam reflectir sobre o que fizeram, e isso não é correcto. As penas devem exprimir a gravidade do crime e o passado do arguido, nos termos da lei. Ninguém deve ir para a prisão para ter a oportunidade de pensar. Todos nós reflectimos muito neste hemiciclo, mas pensamos em liberdade.

Ninguém pensa mais ou melhor por estar preso.

Mais grave, acontece de vez em quando, poder ler nos jornais e por diversas vezes, magistrados dizerem aos arguidos que só foram absolvidos porque não houve prova, mas que isso não quer dizer que não tenham cometido o crime!

As pessoas só podem ser condenadas se houver prova. Se não houver prova, são absolvidos e devem sair do tribunal inocentados.

Não é correcto um tribunal dizer, “você é absolvido, mas se calhar não está inocente”. Desta forma, sai-se sempre condenado, mesmo quando se foi absolvido!

A independência dos tribunais é fundamental. Mas essa independência traz responsabilidades. Os magistrados têm de pensar no grande poder que têm, e honrar esses poderes usando de contenção e elevação no modo como se dirigem às pessoas. Isto pode acontecer a qualquer um. A justiça é para todos.

Como afirmei no início, tenho, como cidadão, jurista e deputado, um enorme respeito pelos nossos magistrados que são excelentes profissionais e pelos tribunais.

Por isso, espero que o modo de realização da Justiça continue a melhorar e que todos os tribunais assumam a sua responsabilidade social e compreendam bem o seu papel e o importante contributo que podem dar à sociedade.

Muito Obrigado!

 

O Deputado à Assembleia Legislativa da Região Administrativa Especial de Macau aos 16 de Outubro de 2020.

 

José Pereira Coutinho

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