COMUNICADO DAS CONSELHEIRAS DAS COMUNIDADES
SOBRE A VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES
Na sequência do caso do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de dia 11 de outubro de 2017[1], sobre um caso de violência feita a uma mulher, redigido em termos machistas e discriminatórios, as Conselheiras das Comunidades Portugueses julgam ser seu dever repudiar um exercício da Justiça em que crenças religiosas e morais pessoais são utilizadas para justificar e minimizar a responsabilidade dos agressores.
As Conselheiras das Comunidades gostariam de relembrar que as violências contra as mulheres não são casos únicos em Portugal e tendo em conta a nossa experiência como cidadãs portuguesas em países estrangeiros podemos testemunhar que esta situação é ainda uma constante em outras partes do mundo.
A título de exemplo:
- Na África do Sul, 1 em cada 5 mulheres acima dos 18 anos já foi vítima de violência física. 17% das jovens entre 18 e 24 anos declaram ter sido vítimas de violência por parte dos seus companheiros. 40% das mulheres divorciadas ou separadas são vítimas de violência contra 31,1% que vivem maritalmente. É o país com o maior nível de estupros do mundo. Por dia, 150 mulheres são estupradas. A média é de um abuso sexual a cada 27 segundos[2];
- Na Austrália, uma mulher é morta por semana pelo seu companheiro ou ex-companheiro, 1 em cada 3 mulheres já sofreu violência física desde os 15 anos, 1 em cada 5 já sofreu violência sexual, 1 em cada 4 já foi vítima de violência sexual ou física por parte do seu companheiro. As mulheres são 3 vezes mais suscetíveis que os homens de serem vítimas de violência da parte do seu companheiro. Das mulheres que são vítimas de violência mais da metade têm filhos a cargo[3];
- Na Argentina, em 2005, 235 mulheres morreram num contexto de violência doméstica ou de violência baseada no género, em 20% dos casos a vítima tinha feito queixa do agressor. Mais de 70% dos feminicídios envolvem um marido, um namorado ou ex-namorado[4];
- No Brasil, pelo menos sete mulheres morrem todos os dias vítimas de violência o que coloca o País em quinto lugar no ranking entre os que mais cometem feminicídio no mundo. Uma em cada três mulheres sofre algum tipo de violência mas somente 6% apresenta queixa. Muitas vezes as situações de violência surgem porque as mulheres não estavam em conformidade com o que era esperado “de uma boa mulher”, o que geralmente se relaciona ao cuidado do lar e a questões ligadas à “moralidade sexual”[5];
- Na China entre 25% a 40% das mulheres casadas ou com parceiros sofreram violências da parte do seu parceiro o que faz dezenas de milhões de pessoas para somente cerca de 50 mil queixas por ano. Os abrigos para as mulheres violentadas são raríssimos, cerca de 400 para uma população de 1,3 mil milhões de pessoas[6];
- Nos Estados Unidos, 1 em cada 5 mulheres e 1 em cada 71 homens foram vítimas de violação. 45.4% das mulheres foram vítimas de violação por um parceiro íntimo contra 29% para os homens vítimas de violação. Em 2016, 1.600 mulheres foram assassinadas nos EUA. Uma média de quatro mulheres todos os dias. De todas as mulheres assassinadas nos EUA, cerca de um terço foram mortas por um parceiro íntimo[7];
- Em França, a cada hora são cometidas 64 agressões sexuais e 9 violações ou tentativas de violação, em cada 2,7 dias uma mulher morre pela mão do seu companheiro, em 81% dos casos de homicídio no seio de um casal a vítima é a mulher, em 88% dos casos de violência física e/ou sexual no seio de um casal a vítima é uma mulher, cada ano em média são 223 mil mulheres que declaram terem sido vítimas de agressão por partes dos seus companheiros ou ex-companheiros[8];
- Na Grã-Bretanha, 1,3 milhões de mulheres são vítimas de violência doméstica por ano, 26% das mulheres declaram sofrer violência doméstica desde os 16 anos. As mulheres são suscetíveis de serem 5 vezes mais alvo de agressões sexuais que os homens. As mulheres são suscetíveis de sofrer de violação ou de tentativa de violação 7 vezes mais que os homens, 39% das violações feitas às mulheres são feitas num contexto doméstico contra 5% de homens [9];
- Na Suíça, no ano passado, 447 mulheres foram vítimas de violência doméstica grave. 60% das mesmas foram vítimas de violação por parte do companheiro. A violência sobre mulheres estrangeiras é 2 a 4 vezes maior do que sobre mulheres suíças. Na cidade de Zurique a polícia intervém 12 vezes por dias em casos de violência doméstica. No ano passado, mais de 17.600 infrações domésticas foram relatadas e registradas pela polícia - um aumento de 13% em relação aos dois anos anteriores. Dezanove pessoas, principalmente mulheres, morreram como resultado da violência doméstica em 2016[10];
- Na Venezuela, se um homem viola uma mulher pode evitar uma condenação casando-se com a vítima. Em 2015, dos 121, 168 casos de violência contra as mulheres que chegaram a tribunal somente 19,816 deram origem a inculpações[11].
É necessário relembrar que as crianças são as vítimas colaterais e muitas vezes diretas desta violência. Estas crianças têm maior risco de sofrer de problemas de saúde física e mental, e de comportamento durante toda a vida. A violência conjugal tem um impacto negativo não somente nas mulheres, mas igualmente nas gerações futuras, nas filhas e filhos e, portanto, na sociedade no seu todo.
Não podemos negar os progressos das últimas décadas em relação à condição da Mulher, mas ainda muito resta a fazer e o retrocesso é um perigo real como pudemos constatar com o caso do Acordão do Tribunal da Relação do Porto.
As Conselheiras das Comunidades Portuguesas reiteram a sua convicção na luta pelos Direitos das mulheres portuguesas no mundo e, em conformidade com os nossos valores, por todas as mulheres independentemente da sua nacionalidade ou origem. Sabemos que as vozes dos Conselheiros se juntarão às nossas, mas achámos importante, num primeiro momento, dar visibilidade à voz das mulheres tantas vezes abafadas por uma sociedade ainda fortemente desigual em questões de género.
Outubro 2017
AS CONSELHEIRAS:
Helena Sofia Rodrigues (África do Sul/ Joanesburgo e Pretória)
Lígia Fernandes (África do Sul/Cabo)
Maria Violante Martins (Argentina)
Melissa da Silva (Austrália/Sidney)
Sílvia Maria Renda (Austrália/Melbourne)
Maria Alzira da Silva (Brasil/Rio de Janeiro )
Rita Botelho dos Santos (China, Macau, HK)
Isabelle Coelho-Marques (EUA/Newar e N. York)
Luísa Semedo (França/Paris)
Iolanda Banu Viegas (GB/ Londres e Manchester e Dublin)
Sónia Oliveira (Suiça)
Sandra Cristina Mahroug (Suiça)
Maria de Lurdes Almeida (Venezuela/Caracas)