INTERPELAÇÃO ESCRITA
A Direcção dos Serviços de Educação (DSEJ) anunciou, recentemente, um «plano de apoio ao ensino linguístico», a aplicar a partir do próximo ano lectivo. O plano, com um prazo de 3 anos, visa promover o ensino de idiomas estrangeiros, para que os alunos terminem o ensino secundário a dominar pelo menos uma língua estrangeira, para contribuir para a imagem de Macau como «centro de turismo e lazer» e região virada para o mundo.
Para o efeito, a DSEJ prevê dar um apoio no valor de 11,7 milhões patacas às escolas interessadas em leccionarem um idioma estrangeiro.
As escolas particulares já recebem avultados subsídios do erário público da RAEM. No entanto, e conforme se pode depreender do n.º 4 do artigo 37.º da Lei n.º 9/2006 (Lei de Bases do Sistema Educativo Não Superior), aquelas que tenham como língua veicular uma língua oficial não estão obrigadas a proporcionar o ensino de qualquer outra língua – nem da outra língua oficial, nem de uma língua não oficial, como o inglês, por exemplo - e aquelas que tenham como língua veicular uma língua não oficial apenas estão obrigadas a proporcionar o ensino de uma das línguas oficiais. Acresce que, mesmo neste último caso, não se determina que a língua oficial a ensinar seja objecto de uma disciplina obrigatória para os alunos.
A formação linguística dos jovens de Macau, que obviamente corresponde a uma necessidade permanente, e não a uma necessidade temporária de 3 anos, exige a inserção de disciplinas linguísticas obrigatórias, de ensino obrigatório para as escolas e de aprendizagem obrigatória para os alunos, no ensino básico, no ensino secundário geral e no ensino secundário complementar, sem prejuízo de se poderem adicionar idiomas de estudo facultativo. Assim, antes de anunciar o «plano de apoio ao ensino linguístico», o Governo deveria ter apresentado à Assembleia Legislativa uma proposta de lei destinada a alterar a Lei n.º 9/2006. Depois, em conformidade com as necessidades de financiamento dai resultantes, e já previamente estudadas, deveria elaborar e executar os correspondentes planos de apoio, que obviamente não se poderão esgotar em 3 anos. Nesse contexto, deveria ser averiguado até que ponto as escolas privadas, com o nível de financiamento que já têm obtido até agora, não terão verbas suficientes para assegurarem essa formação linguística.
A DSEJ, simultaneamente com o anúncio do «plano de apoio ao ensino linguístico», anunciou, também, a implementação de um programa de educação cívica e moral dos mais jovens. O plano, apoiado pelos membros do Conselho de Educação para o Ensino não Superior, visa transmitir aos mais jovens «valores positivos e de amor pela pátria e a Macau».
Este plano vai ser apoiado, pelo erário público, com uma verba no valor de 16 milhões de patacas, superior à verba destinada ao «plano de apoio ao ensino linguístico».
Já há escolas, incluindo luso-chinesas, onde há muito tempo, logo pela manhã, alunos e professores têm de em sentido assistir ao içar da bandeira da China.
Por outro lado, foi divulgado, em Fevereiro, o relatório Equidade e Qualidade em Educação - Apoiar Estudantes e Escolas Desfavorecidas, elaborado pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento).
Um dos dados referidos no Relatório está relacionado com a percentagem dos alunos que aos 15 anos já reprovou, pelo menos uma vez.
O gráfico respectivo, em anexo, onde constam vários países, indica que, em termos comparativos, a taxa de reprovação em Macau, é a mais elevada: 43,7% Por exemplo: em Hong Kong é de 15,6%, no Brasil 40,1% e a média da OCDE é de 13%.
De acordo com a OCDE, os custos financeiros da repetição de ano académico são bastante grandes, tanto individualmente como para a sociedade. Os custos directos para os sistemas escolares são bastante elevados, uma vez que atrasam a educação e a entrada no mercado de trabalho.
Os custos directos da repetição de ano consomem uma percentagem significativa do gasto anual na educação primária e secundária.
Além disso, uma vez que os estudantes que repetem um ano são mais propensos a comportamentos de risco ou abandono escolar, a repetição aumenta os gastos noutros serviços sociais.
Note-se ainda, que a percentagem dos alunos que, em Macau, não concluem a escolaridade obrigatória é muito elevada, situa-se nos 35%.
A obrigatoriedade de frequência cessa quando o aluno conclua, com aproveitamento, o ensino secundário geral ou complete 15 anos de idade nos termos do n.º 2 do artigo 20.º da Lei n.º 9/2006 (Lei de Bases do Sistema Educativo Não Superior). Se o aluno iniciar a escola com 5 anos terá concluído, se não tiver reprovado, o 10º ano, mas caso tenha iniciado com 6 anos teria concluído o 9º ano.
Por outro lado, sem se defender o facilitismo e o laxismo na avaliação dos alunos, é um facto que em Macau há muita reprovação e, mesmo assim, há a percepção generalizada de que os alunos chegam insuficientemente preparados ao ensino superior e ao mercado de trabalho, ao ponto de se continuar a falar, quer no sector público, quer no sector privado, na necessidade de recrutar pessoal qualificado ao exterior. Como explicar estes factos? Parece que o elevado nível de reprovações não resulta de um elevado nível de exigência, o qual deveria estar associado a um elevado nível de qualidade no ensino.
Todos estes dados são preocupantes já que os jovens representam o futuro de Macau e esta situação tem de merecer um acompanhamento prioritário do Governo.
Assim sendo, interpelo o Governo, solicitando, que me sejam dadas respostas, de uma forma CLARA, PRECISA, COERENTE, COMPLETA e em tempo útil sobre o seguinte:
1. Por que razão o Governo, antes de anunciar o «plano de apoio ao ensino linguístico», não apresentou primeiro à Assembleia Legislativa uma proposta de lei destinada a alterar a Lei n.º 9/2006, no sentido de obrigar as escolas particulares que tenham como língua veicular uma língua oficial a proporcionar o ensino da outra língua oficial e de uma língua não oficial, por exemplo, inglês e aquelas que tenham como língua veicular uma língua não oficial a proporcionar o ensino de ambas as línguas oficiais ou de uma língua oficial e uma outra língua não oficial? O programa do plano académico relacionado com o amor pela pátria e a Macau, em que tipo de actividades se traduzirá? Como se acautelará o respeito pela identidade dos alunos que não tenham cidadania chinesa e cuja pátria será, portanto, outro pais que não a China? E por que razões se destinam quase 50% mais de verbas para essa actividade do que para o plano linguístico?
2. A taxa dos alunos de Macau que aos 15 anos já reprovou, pelo menos uma vez, é de 43,7%, a mais elevada se comparada com outros países, de acordo com dados da OCDE. Quais as justificações para esta realidade tão prejudicial em termos sociais e financeiros? Que planos pensa a DSEJ implementar para que o índice de reprovações baixe?
3. A percentagem dos alunos que não concluem a escolaridade obrigatória é muito elevada, situa-se nos 35%. Quais as justificações para esta realidade tão prejudicial em termos sociais e financeiros? Quais os planos que a DSEJ pensa implementar para que a percentagem dos alunos que não concluem a escolaridade obrigatória diminua?
O Deputado à Assembleia Legislativa da Região Administrativa Especial de Macau aos 09 de Maio de 2012.
José Pereira Coutinho