ATFPM DIRECÇÃO

JOSÉ PEREIRA COUTINHO

Deputado à Assembleia Legislativa e Presidente da Direcção da ATFPM

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INTERVENÇÃO ANTES DA ORDEM DO DIA

 

Numa das minhas mais recentes intervenções políticas, interpelei o Governo, no dia 6 de Janeiro de 2011, quanto à promessa do Chefe do Executivo, na apresentação das LAG de 2010, de efectuar o desenvolvimento do processo de democratização do sistema político de Macau que se encontrava nitidamente atrasado desde 2009.

Esta promessa foi contrariada pela Secretária para a Administração e Justiça, (SAJ) em Agosto de 2010, dizendo neste hemiciclo que o Governo não iria apresentar qualquer proposta sobre a reforma política, porque não havia consenso na sociedade e que o Governo de Macau considera que as condições para a implementação do sufrágio universal «ainda estão para a amadurecer».

Contudo, não se conheciam as razões que levaram a SAJ a considerar que não havia consenso na sociedade sobre a reforma do sistema político.

Fiz a referida interpelação escrita, no dia 6 de Janeiro de 2011, e perguntei, concretamente, quais os elementos que permitiam ao Governo dizer que não havia consenso para implementar a reforma do sistema político. Quem tinha sido consultado e quem se opunha à reforma política.

Perguntei, também se nas próximas eleições para a Assembleia Legislativa em Setembro de 2013, os deputados iriam ser eleitos por voto directo dos eleitores, ou iria ser aumentado o número de deputados e se fosse o caso quanto mais deputados iam ser eleitos directamente.

Relativamente à eleição do Chefe do Executivo, em 2014, perguntei se os eleitores iam poder escolhê-lo por voto directo. Ou se ia ser aumentado o número de eleitores que podiam escolher o Chefe do Executivo e se fosse o caso quantas mais pessoas iam escolher o Chefe do Executivo.

Decorrido meio ano, em 17 de Junho de 2011, o Director dos Serviços de Administração e Função Pública (SAFP) na resposta à minha interpelação referiu que desde 2010 e até meados de Abril de 2011 tinham sido recolhidas mais de 120 opiniões. Indica o sentido dessas opiniões, mas refere que não tem intenção de fazer qualquer comentário ou comparação sobre os pontos de vista e formas de pensar reveladas nas opiniões antes de existir um consenso na sociedade.

Relativamente à segunda e terceira questões que coloquei na interpelação escrita o Governo respondeu de forma generalista e não precisa. Referiu, em síntese, que apenas depois de um debate racional e da obtenção de consenso na sociedade proporá a revisão da lei eleitoral.

Face a esta falta de esclarecimentos e de respostas precisas, completas e em tempo útil tive de voltar a interpelar o Governo em 27 de Outubro de 2011.

Perguntei, por exemplo, qual era para o Governo o significado concreto da expressão «consenso na sociedade».

Sobre esta interpelação ainda não teve resposta.

Contudo no inicio do corrente ano o Chefe do Executivo veio anunciar o início da reforma política.

Sobre este processo não se compreende a razão da SAJ ter afirmado, nesta AL, que o Governo não iria apresentar qualquer proposta sobre a reforma política, porque não havia consenso na sociedade, e poucos meses depois o Chefe do Executivo ter vindo anunciar a reforma.

Também não se compreende a razão do Governo ter consultado 120 pessoas, em 2010, sobre a reforma e não o ter feito de uma forma aberta a toda a população como se pretende que assim seja pela maioria da população.

Mas a proposta foi tornada pública. E está prevista nos Anexos da Lei Básica podendo ter acontecido já em 2009.

Nesta reforma temos a possibilidade de os cidadãos de Macau poderem escolher directamente os seus deputados e o Chefe do Executivo.

É a escolha livre dos governantes pelos cidadãos que legitima-os para o exercício dos cargos. Os governantes governam em nome das pessoas e devem ser escolhidos pelo voto livre dos cidadãos. Os deputados representam as pessoas e devem ser escolhidos pelos cidadãos.

Ultimamente de alguns quadrantes sociais surgem vozes, de duvidosa representatividade social, propondo aumento de lugares de deputados eleitos pela via indirecta. Nomeadamente para a área da saúde e turismo.

Afinal quem tem legitimidade e procuração para negociar aquilo que originariamente pertence aos cidadãos de Macau de eleger e de serem eleitos como prevê a Lei Básica?

Em Macau existem cerca de 5 mil associações cívicas abrangendo uma multiplicidade de interesses, que não podem ser graduadas em termos de importância social. Afinal por que é que a saúde e o turismo podem ter mais deputados e as outras associações não podem?

E muitas pessoas perguntam por que não reservar um lugar, pela via indirecta, para o representante dos trabalhadores da função pública? Mas não é isto que nós queremos. O que nós queremos é que haja uma calendarização para que um dia todos os deputados sejam eleitos pelo voto directo dos eleitores.

Até hoje, desde o estabelecimento da RAEM, ainda ninguém percebeu quais os critérios e fundamentos para a escolha dos deputados nomeados pelo Chefe do Executivo.

A legitimidade de uma pessoa ter o direito de votar no seu Chefe do Executivo ou no seu deputado é um exercício de cidadania e um direito fundamental. O facto de uma pessoa poder escolher o mesmo candidato no qual votou, ou votar noutra pessoa é uma liberdade de escolha consagrada nos termos do artigo 26.º da Lei Básica onde todos os residentes permanentes da Região Administrativa Especial de Macau têm o direito de eleger e de ser eleitos nos termos da lei. O direito de eleger e de ser eleito constitui um direito político importante dos residentes de Macau para participarem directamente na gestão dos assuntos políticos, sociais e outros o qual é exclusivamente gozado pelos residentes permanentes da RAEM.

As vozes que surgem defendo a ideia de aumentar dois deputados eleitos indirectamente e outros dois deputados eleitos, directamente, pelos eleitores não altera o status quo em termos de representatividade popular, que a maioria almeja.

Em Hong Kong, também uma Região Administrativa Especial, o calendário para a eleição directa do Chefe do Executivo será em 2017.

Contudo, em Macau não temos ainda uma calendarização definida para a eleição do nosso Chefe do Executivo.

Os 300 membros da Comissão Eleitoral que escolhem o Chefe do Executivo são, manifestamente, insuficientes e susceptíveis de manipulação eleitoral. Após 12 anos do estabelecimento da RAEM, o mero aumento de mais uma ou duas centenas de membros não é a nosso ver minimamente suficiente, face à existência de uma multiplicidade de Comissões e Conselhos Consultivos que o Governo criou, na sua maioria sem lógica nem critérios de escolha dos seus membros colocando quase sempre as suas «preferências» mais cómodas para a governação.

O défice de representatividade da maioria dos deputados da AL e do Chefe do Executivo, resultando num grave défice de fiscalização governativa, estiveram na origem do aparecimento de mega escândalos, tal como o do ex-secretário Ao Man Long e o abuso de poder na apropriação ilegal das 10 campas públicas.

O Chefe do Executivo, como se sabe, acabou por lançar o processo de desenvolvimento do sistema político de Macau.

Por isso, tudo o que fizermos, hoje, de bem e mal terá repercussões no futuro de Macau. As pessoas de Macau merecem poder exercer, de uma forma livre, a sua cidadania plena. E é com base numa cidadania plena que os cidadãos podem exercer os seus deveres e responsabilidades sociais. Em suma, sentir-se cidadãos de pleno direito.

 

O Deputado da Assembleia Legislativa da Região Administrativa Especial de Macau aos 18 de Janeiro de 2012.

 

José Pereira Coutinho

 

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