Interpelação
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INTERPELAÇÃO ESCRITA
Em 23 de Setembro de 2009 e em 23 de Março de 2010 apresentei interpelações escritas ao Governo relacionadas como o Instituto Politécnico de Macau (IPM), em que apresentava factos que indiciavam problemas na aplicação da lei por parte daquela instituição.
As respostas, em síntese, foram que a instituição era gerida de acordo com a lei e com os respectivos Estatutos.
Posteriormente, um relatório do Comissariado Contra a Corrupção (CCAC) apontou falhas na gestão e no cumprimento da lei pelo IPM.
No dia 19 de Maio de 2011, apresentei uma interpelação escrita ao Governo, em anexo, relacionada como o Instituto Politécnico de Macau (IPM), colocando três perguntas muito precisas.
Na primeira pergunta, tendo em conta o «Relatório síntese sobre várias questões relacionadas com a estrutura orgânica e o funcionamento do IPM» do CCAC, questionava se o Governo iria accionar os mecanismos legais existentes tais como o artigo 354.º do Estatuto dos Trabalhadores da Função Pública de Macau publicado pelo D.L. n.º 87/89/M de 21 de Dezembro?
Na resposta à interpelação, em anexo, a Presidente em exercício do IPM não responde a esta questão.
Na segunda pergunta questionava se o Governo para além das eventuais responsabilidades disciplinares, ia accionar os necessários mecanismos de responsabilidade civil e criminal, tendo em consideração que muitas das situações relatadas no referido Relatório síntese poderão estar enquadradas no Capítulo IV da Lei n.º 15/2009 de 3 de Agosto.
Na resposta, a Presidente em exercício do IPM volta a não responder a esta questão.
A terceira pergunta estava relacionada com quatro factos que prejudicam os trabalhadores e que enumerei na interpelação escrita que apresentei em 19 de Maio de 2011. Na referida pergunta questionava se o Governo confirmava a veracidade desses factos e, por exemplo, se considerava que essas práticas eram legais e se podiam ou deviam manter-se.
Na resposta a Presidente em exercício do IPM confirma os factos referidos, mas apresenta justificações, nomeadamente:
Relativamente ao primeiro facto, no ponto (1) 1 da resposta, o IPM justifica a cobrança de um imposto, «overhead», de 10% aos docentes que queiram prestar alguma actividade remunerada exterior ao IPM com o facto de se pretender encorajar a dedicação exclusiva dos docentes a tempo inteiro do IPM.
Contudo, os docentes só podem prestar trabalho externo remunerado mediante autorização do Conselho de Gestão do IPM. Supostamente, o Conselho de Gestão só lhes dará tal autorização quando estiver convicto de que isso não prejudica a sua actividade docente. Alias, é fácil imaginar que, por vezes, esse trabalho externo, não só não prejudicará a sua actividade docente, como até poderá beneficiá-la, na medida em que exija investigação ou favoreça o aprofundamento e a aplicação prática de conhecimentos relacionados com as matérias que lecciona ou possa eventualmente vir a leccionar.
No ponto (1) 2 da resposta, uma das razões que o IPM apresenta para cobrar um «overhead» de 10% aos docentes que queiram prestar alguma actividade remunerada exterior ao IPM é que o IPM «dá assistência no que diz respeito à troca de correspondência e ao preenchimento do formulário modelo 17».
Ou seja, o IPM por um serviço burocrático simples cobra um valor de 10% do rendimento dos trabalhadores. Valor que, naturalmente, varia consoante os rendimentos auferidos pelos docentes.
Diz depois o IPM, ponto (1) 3 da resposta, que «na prática deste tipo de actividades, os docentes vão em representação do IPM (no ponto (1) da resposta é dito que o trabalhador o faz “em nome pessoal”) e por conseguinte o IPM assume a responsabilidade solidária».
Mas na realidade o trabalhador não age, nem como representante orgânico do IPM, pois nem sequer irá realizar tarefas que estivessem a cargo do IPM, nem como seu representante voluntário, pois não recebe mandato nem procuração para tal.
Dizer que a actividade prestada pelo trabalhador é «em nome pessoal» e «em representação do IPM» é uma contradição lógica. Como é que podem compatibilizar isso? O que significa o trabalhador prestar o trabalho externo, simultaneamente, «em nome pessoal» e «em representação do IPM»?
Por outro lado porque é que o IPM assume responsabilidade solidária? Se porventura o trabalhador incorrer em responsabilidade civil por um facto relacionado com o seu trabalho externo, por exemplo, incumprimento do contrato celebrado com a entidade externa em causa, o IPM será solidariamente responsável? Com que base? Qual o fundamento jurídico para tal?
No ponto (1) 4 da resposta é referido que a «retenção de um «overhead» de 10% é um acordo de vontade entre o IPM e os docentes a tempo integral que não põe em causa os interesses fundamentais dos mesmos e não contraria as disposições que regulam as Relações de Trabalho».
Na realidade não há sequer um verdadeiro acordo de vontades. O docente tem o ónus de declarar aceitar esse imposto se quiser obter a autorização para a prestação do trabalho externo. Não há aí nenhum contrato. O que há é, por um lado, uma declaração por parte do interessado e, por outro, um acto administrativo (autorização) por parte de um órgão administrativo.
Note-se, ainda, que os direitos dos trabalhadores não podem ser diminuídos mesmo que haja esse «acordo».
Não podemos concordar que a «retenção de um «overhead» de 10% «não afecta os interesses fundamentais» dos trabalhadores.
Tirar 10% de um rendimento do trabalho «não afecta os interesses fundamentais» do trabalhador? Ainda por cima, esse mesmo rendimento também irá ficar sujeito ao imposto profissional, o que significa que ele é tributado duas vezes. Acresce que o IPM não tem a menor necessidade financeira desse imposto, pois nunca tem gasto, sequer, a totalidade das suas receitas.
Na interpelação escrita de 19 de Maio de 2011 mencionamos, ponto 3, outro facto que prejudica os trabalhadores: «Apesar de o Estatuto do Pessoal Docente do IPM referir que Sábado e Domingo são dias de descanso semanal, os docentes não recebem qualquer pagamento suplementar quando são chamados a prestar trabalho ao Sábado».
Os dias de descanso semanal não são acordados entre as partes no contrato. Os dias de descanso semanal estão fixados no Estatuto do Pessoal Docente do IPM, aprovado por Despacho do SASC, e são, de acordo com esse Estatuto, o Sábado e o Domingo. Daqui deveriam retirar-se duas consequências:
a) Ordinariamente, não deveria haver aulas ao Sábado;
b) A título extraordinário, poderiam ser marcadas aulas ou determinada a realização de exames ou de outras tarefas para um Sábado, ou mesmo para um Domingo, mas, em qualquer desses casos, o trabalho deverá ser pago com uma remuneração adicional nos termos legalmente estabelecidos.
Os contratos de trabalho não podem conter cláusulas que neguem ou diminuam estes direitos.
Relativamente ao quarto facto o IPM responde, ponto (4) da resposta, que «os regulamentos a nível do Instituto são maioritariamente redigidos em português e chinês. Caso a pessoa em causa saiba somente português, a língua portuguesa será obrigatoriamente a da redacção».
A afirmação segundo a qual «os regulamentos a nível do Instituto são maioritariamente redigidos em português e chinês» diverge das informações que temos recebido. Seja como for, a resposta do IPM a esta questão teria sido mais objectiva e esclarecedora se contivesse dados quantitativos, revelando quantos regulamentos, dos actualmente vigentes, o IPM elaborou e, de entre esses, quantos é que têm versão chinesa e portuguesa.
A afirmação de que, «caso a pessoa em causa saiba somente português, a língua portuguesa será obrigatoriamente a da redacção», faria todo o sentido em relação a um acto administrativo, por ser de eficácia individual e concreta, mas não faz absolutamente nenhum sentido quando se refira a um regulamento administrativo, dada a eficácia geral e abstracta que o caracteriza. Portanto, relativamente aos regulamentos do IPM, não se coloca a questão de «a pessoa em causa» só saber português; não há uma «pessoa em causa» e, qualquer que seja a composição linguística do universo presente e futuro, real ou potencial, de destinatários desses regulamentos, eles têm que ser redigidos e publicados em ambas as línguas oficiais. Assim manda a lei.
Segundo o n.o 1 do artigo 4.o do Decreto-Lei n.o 101/99/M, de 13 de Dezembro, «as leis e os regulamentos administrativos são publicados em ambas as línguas oficiais» e os «regulamentos administrativos» são obviamente, para este efeito, todos os actos normativos emanados de órgãos da Administração Publica. Segundo o n.o 6 do mesmo artigo, «a falta de publicidade de uma lei ou regulamento administrativo nas duas línguas oficiais implica a sua ineficácia jurídica». Resulta daqui que os regulamentos do IPM que não estejam publicados em português (mesmo que se encontrem publicados em inglês) são juridicamente ineficazes. Acresce que o lugar obrigatório da publicação é o Boletim Oficial.
Assim sendo, interpelo o Governo, solicitando, que me sejam dadas respostas, de uma forma clara, precisa, coerente, completa e em tempo útil sobre o seguinte:
1. O recente “Relatório síntese sobre várias questões relacionadas com a estrutura orgânica e o funcionamento do IPM” elenca várias situações ocorridas que indiciam fortes suspeitas de abuso de poder, violações grosseiras aos Estatutos privativos, criação de subunidades à margem da legislação bem como aplicação de fundos sem a devida justificação legal. Assim vai o Governo accionar os mecanismos legais existentes tais como o artigo 354.º do Estatuto dos Trabalhadores da Função Pública de Macau publicado pelo D.L. n.º 87/89/M de 21 de Dezembro?
Para além das eventuais responsabilidades disciplinares, vai o Governo accionar os necessários mecanismos de responsabilidade civil e criminal, tendo em consideração que muitas das situações relatadas no referido Relatório síntese poderão estar enquadradas no Capítulo IV da Lei n.º 15/2009 de 3 de Agosto?
2. OIPM justifica a cobrança de um imposto de 10% sobre o rendimento auferido pelos docentes que queiram prestar alguma actividade remunerada exterior ao IPM, porque os docentes vão em representação do IPM e por conseguinte o IPM assume a responsabilidade solidária. Com que base? Qual o fundamento jurídico para tal?
Pode o Governo confirmar se outras instituições de ensino público na RAEM cobram um imposto de 10%, ou de outro valor, aos docentes que queiram prestar alguma actividade remunerada exterior a essas instituições?
3. Relativamente ao facto dos regulamentos internos do IPM serem redigidos em chinês e em inglês, mas não terem versão portuguesa nem serem publicados no BO, o IPM responde que caso a pessoa em causa saiba somente português, a língua portuguesa será obrigatoriamente a da redacção.
Os regulamentos são actos gerais e abstractos. Porque é que se individualiza «a pessoa em causa» e o domínio, apenas, de uma língua oficial para não redigir os regulamentos nas duas línguas oficiais e não os publicar no BO?Quantos regulamentos, dos actualmente vigentes, o IPM elaborou e, de entre esses, quantos é que têm versão chinesa e portuguesa?
O Deputado à Assembleia Legislativa da Região Administrativa Especial de Macau aos 11 de Julho de 2011
José Pereira Coutinho