INTERVENÇÃO ANTES DA ORDEM DO DIA
A maioria da população anda muita atenta ao problema da habitação e num momento em que o Governo começa a preocupar com custos na área das obras públicas, não podemos ignorar o que se passou há dias com a vinda do Secretário para as Obras Públicas e Transportes à Comissão de Acompanhamento para os Assuntos de Terras e Concessões Públicas, para explicar a derrapagem financeira de 4,2 mil milhões previstos em 2006 para os estimados 11 mil milhões de patacas da 1ª Fase do Sistema de Metro Ligeiro de Macau.
Ora, se não fosse o Relatório do Comissariado de Auditoria, muito provavelmente o Governo continuaria a fingir que tudo estava a correr às mil maravilhas e que a questão financeira seria tão simplesmente um assunto de “lana caprina” ou seja, assunto de pouco interesse tendo em conta de vivermos num reinado de tanta fartura financeira.
Mas para espanto de todos, o Sr. Secretário veio dizer que uma derrapagem de quase 7 biliões de patacas é “normal” e “ facilmente explicável”. Ora, com esse valor, contruir-se-ia toda a habitação pública em Macau e ainda sobrava para mais um hospital público! E, obviamente, que a explicação nada tem que ver com a incompetência do Secretário e do GIT. Os 7 biliões foram simplesmente por causas exteriores ao controlo do Governo. Ninguém tem culpa. Foi tudo “normal”.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, não podemos deixar que isto passe incolume: a falta de pudor e descaramento do Sr. Secretário é inigualavel, ou, alias, só igualável ao seu antecessor.
Nos corredores desta Assembleia, junto dos funcionários públicos, das associações, dos empresários, jornalistas, advogados e do público em geral, a falta de competência, de honestidade, de transparência e de respeito pelo interesse público são já dados adquiridos e todo este processo é já alvo de chacota pública. Toda a gente fala de concursos com vencedores antecipados, adjudicações directas aos amigos, de incompetência, de arrogância. Mas o Sr. Secretario e os corpos directivos do GIT lá continuam!
Ora recordemos um pouco da história deste projecto:
Desde o início que todo o processo do Metro Ligeiro esteve inquinado de ilegalidades, graves irregularidades e quase total falta de transparência como tive oportunidades de denunciar em duas interpelações escritas dirigidas ao Governo em passado recente.
Basta recordar que foi o Ex-Secretario Ao Man Long quem estudou e lançou este projecto deixando uma herança que o actual Secretário e o GIT não demonstram ser capazes de se livrar. O processo do Metro Ligeiro é o paradigma do despesismo, de irresponsabilidade, do laxismo, do favoritismo e da incapacidade governativa.
Para além do fardo financeiro, outras importantes questões estão por ser publicamente esclarecidas como por exemplo como foi possível adjudicar o contrato à EFS (Consultores do GIT) que não observava os requisitos mais básicos do Caderno de Encargos, sendo o contrato posteriormente assinado baseado nas condições e não na do Cadernos de Encargos. Como se justifica que tendo a EFS sido contratada precisamente para suprir lacunas técnicas do GIT, seja o próprio GIT, conforme indicado no relatório do Comissariado de Auditoria, a corrigir o trabalho do EFS? Será que isto aconteceu porque o EFS foi uma má opção ou porque o GIT quer adjudicar os contratos a seu belo prazer?
Como se justifica a adjudicação de um contrato de centenas de milhões de patacas a um consultor que fez meia dúzia de relatórios e que durante a avaliação do concurso para o material circulante, participou apenas com um relatório de 20 páginas e que avaliava apenas uma das concorrentes?
Como se pode perceber que o GIT tenha respondido ao Comissariado de Auditoria que “não existem documentos específicos que demonstrem e justifiquem os motivos dos atrasos e aumentos de custos do projecto do Metro Ligeiro?”
Como pedir à população que aceite que em 27 adjudicações directas sem consulta de mais fornecedores com um valor total de quase 60 milhões de patacas não exista “registo do processo e resultados da estimativa das despesas com os trabalhos a desenvolver e que afora alguns emails trocados durante algumas negociações de preços não exista registo formal do processo de análise nem das negociações dos preços?”
Como é que a população pode achar aceitável que tantas adjudicações directas vão sempre para as mesmas empresas que parecem escolhidas de forma cirúrgica?
Será que o Comissariado Contra a Corrupção vai ter a curiosidade de verificar quais os critérios usados para estas escolhas cirúrgicas?
Acha o Sr. Secretário aceitável que seja muito comentado por entre a comunidade política e empresarial em Macau que quer os contratos para a EFS e para a Mitsubishi já estavam prometidos e que houve ilegalidades praticadas em ambos os concursos e respectivo processo de adjudicação?
Qual a razão o GIT apenas consultou e adjudicou o contrato para a elaboração do projecto do Museu a uma única empresa? Porque não deu oportunidade às outras empresas consultoras e Arquitectos de Macau?
Após o absoluto fracasso do projecto do Museu do Metro em que se gastaram dezenas de milhões de patacas quais foram as consequências junto do GIT? Face à gravidade dos assuntos que acabei de referir porque não são assacadas as devidas responsabilidades pelos erros muito deles grosseiros?
Afinal se Macau pretende ser uma cidade internacional mais cedo ou tarde terá que aceitar os padrões internacionais de mínima decência e responsabilidade por quem tem o poder de gerir e utilizar fundos públicos sob pena de hipotecar a imagem e o bom nome de Macau de uma forma negativa. Este tipo de Governação já não tem lugar numa RAEM que se pretende moderna, eficiente e democrática.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, deixo-vos duas questões, para reflectirmos juntos:
Algum de vos tem a mínima duvida que, em qualquer outro país civilizado, um Secretário e os dirigentes do GIT continuariam em funções depois destes escândalos sucessivos?
E qual a razão porque em Macau é diferente?
Por hoje ficamos por aqui devido aos condicionalismos temporais, mas mais direi na próxima oportunidade.
O Deputado à Assembleia Legislativa da Região Administrativa Especial de Macau aos 29 Junho de 2011.
José Pereira Coutinho