ATFPM DIRECÇÃO

JOSÉ PEREIRA COUTINHO

Deputado à Assembleia Legislativa e Presidente da Direcção da ATFPM

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INTERPELAÇÃO ESCRITA

 

 

No passado dia 22 de Maio, o Comissariado de Auditoria (“CA”) divulgou o seu relatório de auditoria específica sobre a 1ª Fase do Metro Ligeiro. Nele, o CA põe a nu uma verdadeira miríade de irregularidades, erros, incompetência e falhas de planeamento e de execução em todo o processo de implementação do Metro Ligeiro da RAEM, desde a orçamentação do projecto do prisma financeiro, às adjudicações dos seus vários serviços e bens componentes. O relatório do CA conclui, grosso modo, que o processo do Metro Ligeiro tem sido gerido pelo Gabinete de Infra-estruturas e Transportes (“GIT”) e pelos seus consultores num clima de irresponsabilidade e incompetência.

 

Por mais chocantes que sejam, estas conclusões só podem constituir surpresa para quem não me tenha ouvido ou lido durante o último ano. É que no passado dia 23 de Agosto de 2010, interpelei - pela segunda vez -  o Governo quanto ao projecto do Metro ligeiro. Na altura, havia referido que sendo este um concurso com enorme exposição internacional e depois do escândalo de corrupção com o ex-Secretário das Obras Públicas, esperava-se – mais que nunca – que os concursos públicos relacionados com o Metro Ligeiro fossem regidos pelos mais estritos princípios de legalidade, transparência e rigor técnico.

 

Aconteceu o contrário. Temos mais um projecto de obras públicas à imagem do “antigamente”, com direito a tudo: ilegalidades, ajustes directos de milhões sempre para as mesmas empresas “amigas” de Hong Kong e Macau, sob a capa da “urgência” ou da “especialização”, atrasos e derrapagens orçamentais que o próprio GIT diz não ter como explicar. Como os concursos para a consultadoria e para material circulante estavam ambos já “prometidos”, restavam apenas as adjudicações directas para os amigos do GIT. Esperemos que não haja promessas a cumprir nos concursos para a construção civil, embora nos meios locais de construção civil que o GIT “prefere” empresas com experiência em construção de caminhos de ferro, isto é, uma certa empresa pública chinesa e para a operação e manutenção.

 

Nas minhas interpelações já vinha salientando que pairavam suspeitas graves de que o presente concurso para o fornecimento dos veículos e sistema do metro ligeiro estava a ser conduzido de forma pouco transparente, injusta e ilegal, em claro favorecimento de um dos concorrentes. As razões que me levaram na altura a dizê-lo tão claramente foram sustentadas por inúmeras informações, reclamações e relatos sobre o que se tinha passado, algo que diversos deputados, representantes do Governo da RAEM e do Governo Central já tinham conhecimento. A situação chegou a um ponto em que toda a administração, empresários e especialistas afirmavam na altura meses antes do resultado final do concurso de que um dos concorrentes já tinha ganho o respectivo concurso.

 

O relatório do CA vem tocar na ferida e salienta a falta de transparência na componente financeira e na prestação de informação às entidades fiscalizadoras e ao público em geral, mas isto é apenas a “ponta do iceberg”. O CA deveria continuar as suas investigações e pedir justificações ao GIT no que respeita às adjudicações directas e a sua “ratio” financeira. Mas mais: agora que temos a certeza que financeiramente as adjudicações foram mal feitas e não foram transparentes, é hora de exigir que se investigue o procedimento e critério usado para as adjudicações directas e na avaliação dos concursos para a consultadoria e para o material circulante!

 

O GIT veio apresentar desculpas como a falta de experiência local anterior ou a escassez de quadros qualificados como atenuantes para os seus erros grosseiros de gestão. Se qualquer um de nós, nas suas vidas profissionais e políticas, permitisse um projecto a seu cargo derrapar para mais de o dobro do custo previsto e não conseguisse sequer apresentar um documento que explicasse porquê, seria certamente exonerado.

 

Em bom rigor, qualquer um de nós se demitiria, em reconhecimento de falhas graves nos seus deveres. Os responsáveis do GIT não tiveram essa decência, preferindo pedir desculpas e prometer fazer melhor para a próxima, como que ignorando os danos que já causaram aos cofres e ao bom nome da RAEM. Hoje mesmo, o Coordenador do GIT veio dizer que “aceita as críticas e opiniões do CA” e o Secretário veio pedir um relatório ao GIT: Contudo será que ninguém é responsabilizado? Será que a impunidade continua? O mesmo aconteceu com o falhado projecto do museu, em que o GIT gastou milhões de patacas em adjudicações para os amigos da sua direcção fazerem a concepção do projecto e, quando o próprio Chefe do Executivo cancela o projecto, ninguém foi responsabilizado!

 

Terá o Governo a coragem de responsabilizar os quadros do GIT pelos graves falhanços ora relatados? Ou ficaremos perante uma mera reprimenda que vai custar centenas de milhões de Patacas ao erário público? Como pode o Governo manter a confiança em quem deu provas cabais de incapacidade na gestão de um projecto desta magnitude e importância?

 

Aquando das minhas interpelações do ano passado, levantaram-se muitas dúvidas quanto à Comissão de Avaliação encarregue de preparar relatório de avaliação, que foi composta por jovens técnicos sem experiência nesta área muito especializada e sem precedentes de similares concursos na RAEM, apoiada por consultores que, repetidamente, foram ignorados nos seus pareceres ou solicitados para ignorar elementos negativos para uma determinada proposta. Os mesmos consultores externos a quem o GIT decidiu adjudicar um contrato milionário, devido a uma promessa que carregavam do passado, ao arrepio de todos requisitos do concurso!

 

Agora o relatório da CA mostra que (i) os consultores do Governo repetidamente falharam nos seus deveres mínimos de qualidade e fiabilidade dos serviços prestados (ii) que teve que ser o GIT a corrigir as deficiências no seu trabalho e (iii) os consultores não foram minimamente responsabilizados pelas suas falhas. Ou seja, o GIT, que reconhecidamente não tinha capacidade técnica para conduzir o processo, acabou por ter que corrigir o trabalho dos consultores. Como é que isto foi possível?!?

 

Quanto às investigações, este relatório da CA marca o que espero ser um primeiro passo no apuramento total de responsabilidades quanto a este projecto e não posso deixar de congratular a CA pelo seu trabalho e o Governo pelo seu empenho. Mas não basta. É preciso continuar e investigar com mais profundidade e solicitar urgentemente uma investigação ao CCAC para que este verifique se o GIT cumpriu na íntegra com as “Instruções Sobre o Procedimento de Aquisição de Bens e Serviços” que constituem regras imperativas do CCAC para que o processo de aquisição respeite os princípios da legalidade, justiça e transparência. Estou certo que dessa averiguação resultará que terão existido abusos nestes ajustes directos.

 

Tendo em conta que o relatório refere que cerca de 90% dos projectos adjudicados no âmbito da 1.ª Fase do metro ligeiro foram realizados por ajuste directo com apenas um fornecedor, independentemente de procurar saber se havia ou não no mercado local empresas locais ou fornecedores aptos para a execução dos serviços, é fundamental para a reposição da confiança no GIT e nos seus processos que se averigue a fundo a lisura destas adjudicações, especialmente tendo em conta que o relatório refere que “o procedimento seguido exclui a participação de mais concorrentes, privando-se o GIT da oportunidade de conseguir o melhor projecto, o melhor prazo de execução e os custos mais baixos.

 

Estas situações demonstram claro favoritismo na adjudicação de contratos de prestação de serviços a empresas escolhidas de forma cirúrgica, privando e prejudicando todas outras empresas capacitadas e interessadas na prestação desses mesmos serviços, no que são claros indícios de abuso dos poderes do GIT.

 

Quero ainda deixar uma nota final sobre as obras de melhoramento da Ponte Sai Van. Desde o início que sustentei que a Ponte, mais do que obras de compatibilização com o traçado e as estações, teria que sofrer obras de melhoramento de condições de segurança. O GIT refutou esta tese, sustentando que tais obras não eram necessárias. Alertei para o facto de a concorrente que a final recebeu a adjudicação pura e simplesmente não ter orçamentado a realização destas obras, ao que recebi a resposta do GIT de que estas obras, caso se revelassem necessárias, seriam inclusas no preço da adjudicação. Vejo agora no relatório da CA que o próprio GIT usa as obras de melhoramento da Ponte Sai Van como justificativo para o aumento dos custos do projecto. É a prova acabada de que o GIT faltou à verdade e de que a RAEM recusou propostas com estas obras incluídas no preço final, apenas para agora as ter que pagar à parte, sem se saber sequer quanto custarão. Mais do que a credibilidade, o GIT, ao apresentar como justificação para os aumentos de custos obras que sempre defendeu não serem sequer necessárias, perdeu agora a vergonha.

 

Assim sendo, interpelo o Governo, solicitando, que me sejam dadas respostas, de uma forma clara, precisa, coerente, completa e em tempo útil sobre o seguinte:

 

1.Que critérios e sólidos fundamentos foram utilizados e invocados pelo GIT para repetidamente adjudicar contratos a um pequeno número de empresas, sem qualquer consulta prévia?

 

2. Face às gritantes irregularidades e à própria admissão de inexperiência e erros por parte do GIT, vai o Governo solicitar ao CCAC um relatório específico sobre:

 

(a) a adjudicação do material circulantes do Metro Ligeiro, onde se acha contida a maior parte do investimento a fazer pela RAEM? e

 

(b) os critérios e cumprimento das formalidades legais na adjudicação aos consultores externos do GIT?

 

3. Perante o relatório do CA, vai o Governo:

 

(a) tomar medidas e apurar responsabilidades disciplinares dos corpos directivos do GIT?

 

(b) instruir o GIT para alterar os seus procedimentos de adjudicação directa, consultando e contratando com outros fornecedores, de preferência locais?

 

 

O Deputado à Assembleia Legislativa da Região Administrativa Especial de Macau aos 31 de Maio de 2011.

 

José Pereira Coutinho

 

 

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