Hoje Macau 20 Mai 2011
José Pereira Coutinho
Habitação é mesmo económica?
ENCONTRA-SE presentemente em plena discussão quer na 3ª. Comissão quer na sociedade em geral, a proposta de lei para o Regime de Construção e Venda de Habitação Económica, que tem o objectivo auto-proposto de aliviar e apoiar os residentes da RAEM com reais necessidades na resolução temporária dos problemas habitacionais, bem como desenvolver oferta de habitação mais adequada às reais necessidades e capacidade aquisitiva dos residentes da RAEM.
O Governo através da Nota Justificativa anexa à referida proposta explica que “com o rápido crescimento económico da RAEM nos últimos anos, verifica-se um grande aumento dos preços de habitação do mercado imobiliário. Por outro lado, devido ao contínuo aumento da procura de habitações, os preços de venda e as rendas têm-se mantido a um nível alto, tendo como consequência o facto dos residentes não serem capazes de resolver os problemas relacionados com a habitação”.
A proposta contém várias iniciativas meritórias, como o maior controlo sobre as vendas deste tipo de habitação, a definição clara de regras de candidatura para a aquisição destas habitações, adoptando aliás soluções que já tinha defendido em ocasiões anteriores, e a imposição de sanções mais severas para quem viole estas regras. No entanto, e ainda assim, a reforma proposta peca por escassa e por apenas assegurar de forma temporária o acesso a estas habitações económicas a quem delas verdadeiramente necessita.
É que ao fim de 16 anos – uma janela temporal relativamente curta na vida de um imóvel e do seu proprietário – a proibição de venda a terceiros é levantada e o proprietário de uma habitação económica pode vendê-la, a quem quiser, pelo preço que quiser, sem que sequer se crie uma nova proibição de venda sobre quem compra o imóvel. Depois de 16 anos, uma habitação construída e financiada pela RAEM para ser económica pode voltar a ser vendida pelos preços obscenos de todas as outras, ficando os residentes que tenham nessa altura dificuldades privados do acesso a elas.
Ou seja, o que o Governo da RAEM está na realidade a criar é um “balão de oxigénio”. Durante 16 anos, o Governo fomenta a especulação e findo esse período, ela converte-se em mais fracções como quaisquer outras, prontas a serem vendidas e revendidas a preços irreais, perpetuando-se e agravando-se assim o ciclo de especulação imobiliária que se pretende combater. No fundo, a RAEM prepara-se para subsidiar em larga escala os futuros ganhos dos proprietários destes imóveis e para financiar uma nova geração de especuladores, que terão aqui a oportunidade de fazerem o negócio das suas vidas, comprando muito barato e vendendo muito caro, tudo a expensas do erário público. Para além disso, esta solução promete abrir as portas a todo um conjunto de práticas fraudulentas como contratos-promessa a 16 anos ou residentes desfavorecidos a candidatarem-se à concessão de habitação económica como “testas-de-ferro” de especuladores imobiliários, contra promessas de habitação gratuita durante 16 anos e contrapartidas na venda futura.
Não é com este propósito que se deve construir habitação económica, mas antes com o de assegurar que apenas pessoas com efectivas dificuldades possam ter acesso. Criar e financiar habitação de baixo custo para uma determinada faixa da população é assumir que essa habitação deve ser disponibilizada fora das leis do mercado, cuja liberdade nos conduziu a este ponto. Assim sendo, porquê ao fim de 16 anos devolver estas habitações ao mercado livre, voltando a desproteger precisamente as pessoas a quem elas se destinavam? Como tal, e numa posição que já defendi publicamente, considero que o Governo da RAEM deve manter as limitações de venda deste tipo de fracções sem prazo, permitindo apenas ou a venda a outras pessoas que reunam os requisitos legais para acederem a habitação económica ou a reaquisição das fracções pelo próprio Governo, pelo seu valor de aquisição original, ajustado com base na evolução do Índice de Preços do Consumidor. A habitação económica deve ser entendida como a satisfação de uma necessidade pública, e não como uma hipótese de negócio. Entender o contrário e permitir que as actuais vítimas da especulação imobiliária se transformem nos futuros especuladores é a subversão total dos princípios subjacentes a esta iniciativa e um passo definitivo no sentido de perpetuar este problema.
Ainda sobre este tema, não posso deixar de dar conta da minha preocupação com os vários processos de concurso presente em andamento junto do GDI e previstos para um futuro próximo. É com surpresa que verifico um clima de conformismo junto de empresas locais, que apesar de concorrerem aos projectos de construção da habitação pública, já sabem à partida que lhes será adjudicado nenhum contrato. A acrescer a este sistema quase monopolista em que meia dúzia de empresas de construção obtêm todas as adjudicações e controlam os preços e actividade de construção em Macau, as regras recentemente implementadas para maior definição dos critérios de adjudicação ajudam a perpetuar esta situação, criando um sistema que beneficia em muito as grandes e já estabelecidas empresas de construção locais e internacionais, enquanto que continua a penalizar empresas menores, que, embora com capacidade para a execução de obras públicas, se vêm irremediavelmente afastadas da possibilidade de adjudicação em virtude destas regras. Por exemplo, no caso do Projecto CN4 – o maior de todos eles – corre desde há meses no mercado que está já adjudicado a uma grande empresa de construção chinês.
Ainda assim, sei que há empresas locais corajosas e dispostas a quebrar este quase monopólio que se instalou nas obras públicas da RAEM e tenho esperança que o Secretário que tutela o GDI venha a reconhecer a sua qualidade, perseverança e natureza local. Ou será que queiramos voltar à era do Ao Man Long?
Numa altura em que o monopólio da CTM no mercado das telecomunicações da RAEM finalmente se aproxima do seu final (31 de Dezembro de 2011), abrem-se novas perspectivas de qualidade e fiabilidade de serviços telefónicos e de Internet para a RAEM, com a propalada emissão de mais uma ou mesmo duas licenças de telecomunicações.
Embora Macau goze de uma das maiores taxas de penetração de internet em todo o Mundo (mais de 70%), o leque de serviços disponibilizados continua a ser extremamente limitado e cada vez mais desadequado à realidade do mundo digital. Com o aparecimento de cada vez mais actividades económicas na RAEM e com a dependência cada vez maiores destas da internet e das valências a ela associadas, Macau é um mercado extremamente apetecível para os mais variados prestadores de serviços de internet, que prometem revolucionar o mercado das telecomunicações da RAEM.
No entanto, existe um grande entrave a este potencial de investimento e de aumento de qualidade dos serviços prestados aos cidadãos da RAEM: a falta de legislação actualizada que regulamente este sector. Os poucos diplomas que existem sobre telecomunicações e internet têm quase 10 anos e estão hoje em dia perfeitamente ultrapassados em termos da diversidade de situações reguladas e da sua capacidade de enquadrar os serviços cada vez mais plurilocalizados e desmaterializados que a internet permite. Esta falta de legislação acaba por aumentar em muito a discricionariedade da Direcção dos Serviços de Regulação de Telecomunicações quanto a requisitos regulatórios e emissão de licenças e autorizações, o que por sua vez leva a que qualquer investidor estrangeiro, confrontado com esta incerteza, se retraia nas suas intenções de investimento. Quem fica a perder com esta situação é a RAEM e todos os seus residentes, que, por força de um quadro jurídico anacrónico, correm o risco de ver adiado o que pode ser um verdadeiro salto tecnológico para a Região, com todos os benefícios económico-sociais daí resultantes.
O aproximar do final da concessão da CTM é assim o momento ideal para o Governo reformular os mecanismos legais que regulam o sector das telecomunicações, por forma a que a RAEM tenha um modelo jurídico preparado para o momento em que o mercado das telecomunicações se abra a novos agentes, novas práticas e novos produtos. No final quem realmente fica a ganhar são os consumidores destes serviços o qual neste momento estão a ser prestados serviços deficientes, má qualidade e extremamente caros.