INTERPELAÇÃO ANTES DA ORDEM DO DIA
“AUMENTA O FOSSO ENTRE RICOS E POBRES”
Um recente estudo social, realizado por uma prestigiada universidade local, concluiu, de forma peremptória, haver mais pessoas a ganhar cerca de duas mil patacas por mês, ao mesmo tempo que se multiplicam os lucros dos casinos. Para quem vive em Macau esta conclusão não é surpreendente, porque é muito fácil ver quase todos os dias, ou uma vez por semana, muitas donas de casas deslocarem-se a Zhuhai para comprarem os principais bens essenciais de consumo para as suas famílias. Estas donas de casa não se deslocam a Zhuhai por capricho ou lazer. Acontece que não têm outras alternativas, pois não têm capacidade de adquirir aqueles bens em Macau, devido ao facto destes principais produtos alimentares e bens de uso diário estarem monopolizados e/ou muito inflacionados.
Os idosos e os jovens são as camadas sociais que mais sofrem com a subida da taxa de inflação e o aumento em flecha dos preços dos principais bens essenciais de uso e consumo diário. Por outro lado, devido ao conluio entre alguns influentes empresários e certos membros do Governo, a maioria da população tem de continuar a sofrer com as elevadas rendas e preços das casas, que aumentaram de forma astronómica devido à especulação selvática dos terrenos e casas para habitação, o que coloca em risco as futuras gerações. Na aquisição de casas para habitação os direitos dos consumidores são quase inexistentes.
Ou seja, resumindo: o aumento do fosso entre ricos e pobres e as desigualdades sociais são mais do que evidentes. O referido estudo revela que o coeficiente de Geni tem-se agravado em Macau, ano após ano. O coeficiente é medido numa escala que começa em 0 (igualdade plena) e vai até 1 (desigualdade plena).
Em 1999 cifrava-se em 0.43 pontos, subindo para 0.45 em 2004 e 0.52 em 2007.
Estes dados apontam, inequivocamente, que a qualidade de vida em Macau está a deteriorar-se ano após ano, porque os níveis de rendimento não estão a par com os custos de vida de centenas de milhares de pessoas. Só porque alguns estudos “encomendados” e pagos pelo erário público dizem que os cidadãos são felizes e que a qualidade de vida está mais ou menos bem, não significa que, na realidade, assim seja. Trata-se de uma auto-ilusão determinada ideologicamente e saturada de consenso e cheia de bolor.
O relatório refere que distribuir dinheiro de uma forma indiferenciada arrefece a oposição política, mas não resolve as desigualdades sociais nem a inflação. Pelo contrário, aumenta a dependência humana do apoio monetário directo e é uma medida de difícil reversão.
Achamos que estas conclusões têm toda a razão de ser, porque a distribuição de cheques pecuniários a toda a gente foi criada, anunciada e distribuída quase todos os anos no mês de Abril, com o intuito de afastarem as pessoas das demonstrações anuais
No capítulo da Saúde Pública estamos cada vez mais mal servidos. Não obstante os esforços desenvolvidos pelos profissionais de saúde, o facto é que, nos últimos anos, o Governo omitiu os seus deveres básicos, sendo o principal autor moral e material do descalabro dos cuidados de saúde. Nos últimos sete anos, a DSS esqueceu-se de formar médicos e os cerca de quatrocentos licenciados em medicina foram obrigados a escolher outras profissões, tais como, croupiers, empregados de escritório, vendedores ambulantes de produtos farmacêuticos, etc.
A maioria das enfermeiras e o pessoal auxiliar dos serviços de Urgência está doente por sobrecarga de trabalho, devido à falta de pessoal. E parece que nenhum responsável fechado no seu gabinete
Muitas enfermeiras que trabalham nos serviços de Urgência estão doentes porque mesmo nos dias de descanso são obrigadas a levar consigo aparelhos de chamada, os designados “call pagers”. E o pior é que, quando respondem à chamada, a DSS não as compensa dos dias de descanso, sendo pagas meras migalhas pelas horas de trabalho extraordinárias. Ninguém parece estar interessado pelo estado físico psíquico e moral destes profissionais.
Mas nada disto é escandaloso, quando comparado com o caso que recebi recentemente no meu Gabinete de Atendimento aos Cidadãos: Um grupo de trabalhadores queixou-se que o serviço público para o qual trabalham promete pagar à hora, mas na realidade os salários são pagos por uma influente associação educativa e após um mês de atraso. Estamos quase nos finais do mês de Abril e os trabalhadores explorados ainda não receberem os salários do mês de Março. Alguns deles trabalham por recomendação directa desta associação para o referido serviço público há mais de um ano. São obrigados a cumprir horários e estão sujeitos às hierarquias. Não beneficiam de assistência médica, seguro de trabalho e de horas extraordinárias. Estes são os novos mercenários pobres da função pública.
Este sim, é de facto o caso escandaloso jamais visto desde o estabelecimento da RAEM. Uma influente associação particular de ensino, que consegue prometer empregos, tem o poder de recomendar trabalhadores por portas travessas ao serviço público. Violações às leis vigentes acontecem porque não existe lei sindical nem negociação colectiva. Também não se exigem responsabilidades por parte das tutelas, não obstante estas terem pleno conhecimento das ilegalidades.
As sociedades mais harmoniosas são aquelas cujos respectivos Governos tratam todos os cidadãos de igual modo, principalmente no que respeita aos direitos laborais, pois o trabalho é o sustento das famílias, sendo que é no seio destas que se formam as futuras gerações.
O Deputado à
José Pereira Coutinho