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JOSÉ PEREIRA COUTINHO

Deputado à Assembleia Legislativa e Presidente da Direcção da ATFPM

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Dois temas cruciais para o futuro de Macau

 

Hoje Macau  18 Mar 2011

José Pereira Coutinho

 

Macau maior: o acordo com Guangdong

 

Desta vez, não pode haver excepções, nem desculpas. A sociedade vai estar atenta e não mais vai perdoar deslizes quer sejam (in)voluntários.

NO PASSADO dia 6 em Pequim, celebrou-se, sob os auspícios do Governo Central, um acordo de cooperação entre a província de Guangdong e a RAEM. Este acordo, que prevê uma cooperação transversal entre as duas regiões ao nível económico, social, cultural e industrial, irá criar uma plataforma para que as Administrações das duas regiões trabalhem em conjunto no desenvolvimento da Ilha da Montanha, com projectos como o novo campus da Universidade de Macau ou o Parque Científico e Industrial de Medicina Tradicional Chinesa, bem como a edificação do maior centro turístico da Ásia, zonas residenciais, industriais e comerciais, vias, estruturas e pontes.
A RAEM ganhou acesso a uma plataforma de investimento capaz de gerar riqueza e prosperidade por muitos anos, e a uma área geográfica de influência económica três vezes maior do que a própria área da RAEM. Bem aplicado e bem gerido, este acordo pode ser um dos momentos definidores da história da RAEM e mudar para melhor a região a vários níveis.
Todos percebemos o relevo deste acordo, cuja consumação quero aproveitar para realçar novamente. No entanto, é importante que o Governo entenda os desafios e responsabilidades que temos pela frente, designadamente ao nível da transparência e da igualdade de oportunidades para todos os investidores e operadores em Macau. O voto de confiança que a RAEM está a receber da República Popular da China exige que o Governo demonstre que segue o mesmo caminho de progresso e desenvolvimento em que o Governo Central tem conduzido a administração do país.
Mais do que nunca, a RAEM tem a oportunidade de projectar a sua capacidade e o seu nome no plano interno e internacional e rectificar a infeliz imagem que tem deixado mercê de escândalos económicos e políticos, de favorecimentos e falta de transparência, que parecem insistir por perdurar.
Não mais se poderá tolerar que os mesmos de sempre continuem a manipular em seu benefício próprio e saiam beneficiados no âmbito deste acordo. Mais do que nunca, exige-se rigor, promoção da concorrência leal e total transparência no acesso a esta plataforma de cooperação. São tempos interessantes e animadores os que se avizinham, tempos em que podemos, em conjunto com a província de Guangdong, criar uma verdadeira região económica com expressão mundial e disso tirar os dividendos económicos, estratégicos e científicos que daí advêm. Desta vez, não pode haver excepções, nem desculpas. A sociedade vai estar atenta e não mais vai perdoar deslizes quer sejam (in)voluntários.

Macau melhor: a justiça na contratação pública
Sucedem-se os casos de estruturas de utilidade pública com enormes problemas de concepção, construção e operação. As ETARs, o Metro Ligeiro, as centrais de incineração, as obras públicas de construção e um sem número de outras estruturas geram quase diariamente dores de cabeça à RAEM, que se vê deparada com equipamentos públicos defeituosos, a funcionarem abaixo das suas capacidades e com despesas adicionais destinadas a corrigirem estas falhas, que muitas vezes apenas se detectam anos depois.
Quem sofre com isto são os cidadãos da RAEM, com o impacto ambiental, com as deficientes infra-estruturas e com a qualidade dos serviços que recebem. A causa do problema é já sobejamente conhecida, embora as autoridades adjudicantes destes concursos se mostrem incapazes de perceber e corrigir este erro grosseiro: a persistência em adjudicar todas as obras e operações de equipamentos públicos à proposta com o preço mais baixo.
Não interessa se a concorrente carece de experiência ou tem já tem má fama, se os materiais são de qualidade inferior, se a mão-de-obra é menos qualificada ou se o preço é irrealmente baixo. As entidades encarregues de assegurar a criação e manutenção de equipamentos públicos (GDI, GIT, DSPA etc) parecem mais preocupadas em afirmar que fizeram um melhor negócio do que adjudicar à melhor proposta técnica, preferindo o depressa e barato – ignorando o adágio popular de que “o barato sai caro”. Para dar um exemplo, o GDI adoptou um critério de “preço razoável” que é obtido por uma fórmula que pretende ter um tratamento estatístico de todas as propostas patentes a concurso, mas cujo conceito está errado de base e serve apenas para ocultar a tendência de adjudicação ao preço mais baixo.
Ora, eu não defendo o despesismo, e compreendo que muitas vezes a obra mais cara pode até nem ser a melhor, mas a tendência preocupante (e crescente) na RAEM parece ser para se desconsiderarem todos os vectores e critérios que devem presidir a uma adjudicação de obra pública, excepto o preço e o tempo.
Outra questão crucial é a constante irresponsabilidade das entidades oficiais em fazerem uma avaliação técnica adequada das propostas. Isso permite-lhes ter um volume de trabalho muito inferior, evitar responsabilidades, dissimular as suas carências de conhecimento técnico e, acima de tudo, lavar as mãos de eventuais problemas que possam ocorrer no futuro. Serão, assim, os números a falar e não o juízo avisado das propostas. O medo gerado pelo escândalo do ex-secretário ainda paira no ar destas entidades, sendo que a melhor defesa tem sido adjudicar o mais barato para não surgirem suspeitas… É sabido que a curto, médio e longo prazo, os equipamentos públicos adjudicados simplesmente pelo preço mais baixo têm invariavelmente causado problemas e causado aumentos de custos desnecessários. Mas esses já não são conhecidos do público, esses ficam enterrados nos serviços das entidades adjudicantes, onde os técnicos e os secretários, obrigados a escolher entre pagarem mais por serviços chamados “adicionais” ou terem que deixar milhões de patacas em investimento ao abandono, abrem os cordões à bolsa, envergonhados por terem sido novamente enganados, mas aparentemente sempre dispostos a serem enganados mais uma vez por empreiteiros e prestadores de serviços que prometem equipamentos topo de gama à velocidade da luz e a preços de saldo.
É mais que claro para todos que é isto que acontecerá com o projecto do Metro Ligeiro, recentemente adjudicado à Mitsubishi, que com a Ponte Sai Van, com a manutenção e com tantos outros aspectos que deixou “em aberto”, vai custar muito mais caro. Para o concorrente vencedor o mais importante foi “sacar” o contrato para depois vir pedir mais ao erário público.
Em conclusão, a Lei da Contratação Pública está a mudar um pouco por toda a parte e, na União Europeia, por exemplo, a irrealidade dos preços nas propostas a concurso pode levar à sua exclusão e a responsabilização dos contratantes pelos desvios e pelas “derrapagens” financeiras é cada vez maior.
Os governos estão a fugir do anterior paradigma de que o que interessa é o preço e a apostar na eficiência económica de equipamentos que, mesmo sendo mais caros no momento, amortizam essa diferença ao cabo de anos de operação sem percalços. Desta perspectiva, gastar bem o dinheiro da RAEM é gastá-lo em estruturas sólidas física e tecnicamente, mesmo que sejam um pouco mais dispendiosos.
É urgente renovar mentalidades nos organismos de obras públicas da RAEM, sendo que são ainda muito pequenos os passos de criação de penalizações por infracções criminais e laborais para as empresas que se apresentam a concurso ou a divulgação dos esquemas de pontuação técnica.
É urgente remodelar a lei dos concursos públicos e é inequívoco para todos os operadores que está na hora de uma reforma de fundo, que deve ser promovida com uma verdadeira consulta pública, auscultando as sensibilidades dos agentes económicos de Macau, dos profissionais legais e técnicos públicos e privados, por forma a detectar, antecipar e resolver dificuldades e criar regimes de empreitada e prestação de serviços públicos mais actuais e mais vocacionados para o conceito cada vez mais importante de racionalidade económica, que, como a nossa experiência dolorosamente nos tem ensinado, é bem diferente do actual “barato e bom” que a Administração continua a buscar sem sucesso em cada concurso público.

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