Hoje Macau 4.3.2011
Por José Pereira Coutinho
Tabaco, recursos humanos e metro
Uma total falta respeito por mim, pela AL e pelos cidadãos de Macau, e a confirmação que o GIT se sente seguro da sua impunidade e não tenciona actuar de forma transparente. Ainda assim, importa revelar algo de extrema gravidade aos leitores: foi na sequência de uma carta enviada por mim, em que revelei conhecer diversos incumprimentos da Mitsubishi, que o GIT decidiu suspender as negociações com a empresa japonesa e enviar todo o processo para nova avaliação.
Lei do Tabaco
DESDE 1996 que existe um diploma a regular o consumo de tabaco e destinado a prevenir e limitar o tabagismo (lei n.º 21/96/M) e esta nova proposta de lei há muito em análise na 2.ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa (“AL”) relativa ao «Regime de prevenção e controlo do tabagismo» visa actualizar e modernizar o regime em vigor. Recentemente, as concessionárias de casinos expressaram à AL a sua preocupação com o impacto que a aprovação da proposta de lei poderá provocar no seu negócio. Esta preocupação prende-se com o facto de a proposta de lei prever a proibição de fumar nos casinos, sendo certo que se permite que nos casinos podem ser criadas áreas para fumadores, no prazo de um ano, até um máximo de 50% do total da área destinada ao público. Ou seja, em metade das áreas fechadas dos casinos, incluindo as salas de jogo, vai-se poder continuar a fumar.
Ora, como respeitador da liberdade individual, a minha preocupação primordial é com a saúde dos fumadores passivos, designadamente a dos trabalhadores dos casinos, que continuarão necessariamente expostos aos malefícios do tabaco durante longos períodos de tempo de trabalho. Dado que as pessoas são livres de fumar, mesmo conhecendo o efeito nefasto do tabaco na saúde, para mim o cerne da questão é precisamente proteger os milhares de trabalhadores dos casinos que não conseguem evitar ser afectados pelo fumo nas áreas em que o consumo do tabaco será permitido. Mais ainda, não se deve presumir que a futura lei terá necessariamente um impacto negativo por exemplo no número de jogadores que vêm jogar, levando assim a uma diminuição das receitas de jogo duma forma que ponha em perigo a economia de Macau. Os jogadores vão aos casinos para jogar e há cada vez mais a consciência de que o tabaco faz mal à saúde. Os fumadores que queiram continuar a fumar podem fazê-lo nos locais destinados a fumadores ou nas áreas ao ar livre.
Afinal de contas, na Europa, Estados Unidos e em Hong Kong, é agora proibido fumar em praticamente todos os locais fechados e até em diversos locais ao ar livre. Não creio que a nova lei afecte o negócio dos casinos. Aliás, o receio de algo novo faz-me recordar a década de noventa, quando a rua da Palha e o Largo do Senado foram fechados ao trânsito e inúmeras vozes críticas se levantaram, manifestando receio sobre perdas de negócio para as lojas. Pouco tempo depois, a maioria das pessoas, incluindo os comerciantes, estavam muito contentes e apoiavam a medida, e hoje em dia, um mar de turistas circula naquela rua e no Largo do Senado.
Por fim, o jogo é a actividade económica dominante em Macau e as concessionárias compreenderão que o Governo e a AL têm a responsabilidade de prevenir os malefícios do tabagismo e proteger quem seja forçado a desempenhar a sua actividade profissional. Como tal, a proposta de lei deveria conter disposições imperativas para criação de regulamentos específicos que visem acautelar a protecção dos fumadores passivos (ex. aparelhos especial destinados à filtragem do ar afectado pelo tabaco) e, mais importante ainda, que sejam estipuladas condições especiais para os trabalhadores que tenham que exercer a sua actividade profissional em ambientes de fumo, como regalias compensatórias a nível salarial, exames médicos periódicos e seguros de saúde obrigatórios. A ver vamos se o Governo terá a coragem de agir neste sentido.
Discute-se recorrentemente em Macau a questão da falta de recursos humanos locais, defendendo-se como solução a importação de trabalhadores não-residentes. De acordo com dados estatísticos, a população de Macau é de cerca de 549 mil pessoas. Em 1999, antes da transferência da administração, rondava as 429 mil pessoas. Estão registados cerca de 75 mil trabalhadores não residentes, mais do dobro dos cerca de 32 mil que se encontravam registados em 1999.
Em 2010, 79,8% da população total eram adultos entre os 15 e os 64 anos, ou seja a maioria da população está em idade activa para o trabalho. Perante estes dados que demonstram claramente o aumento exponencial da população, residente e não residente, em apenas uma década, bem como o aumento da procura e das vagas disponíveis, vários desafios se levantam. É preciso apostar fortemente na educação (incluindo o domínio da língua portuguesa e inglesa), na qualificação e treino da mão-de-obra local e no aperfeiçoamento das leis laborais.
Macau dispõe de recursos humanos muito válidos e com vontade de trabalhar, mas um esforço de educação e formação especializada é necessário para uma mudança de mentalidades que as adapte ao novo paradigma profissional que os casinos, o mercado financeiro e a hotelaria trouxeram à RAEM: mais multicultural, mais aberto ao mundo, mais exigente e produtivo e mais apoiado na meritocracia. Mas, para que isso possa acontecer de forma natural e evolutiva, a RAEM tem que ela própria se abrir ao mundo e rever profundamente o seu actual sistema de autorização de trabalho não-residente.
Concordo em absoluto com a prioridade dos cidadãos de Macau ao mercado de trabalho e com a necessidade de potenciar os recursos humanos locais, mas não podemos cair em extremismos que emperram a actividade económica, prejudicam a imagem internacional da RAEM e que tornam Macau numa região menos atractiva para o investimento estrangeiro (China e Hong Kong incluídos). Para além do mais, a presença de mão-de-obra especializada na RAEM gera transferência de know-how e de conhecimentos, intercâmbio e qualificação para os nossos próprios residentes.
Ora, se existir uma modernização do mercado de trabalho local, logo o Governo poderá paulatinamente limitar o seu acesso aos não-residentes, mas não antes! É preciso que não tenhamos complexos em tornar o mercado laboral mais aberto, mais flexível e mais global. E para isso, é preciso rever o sistema artificial e pouco cientifico de atribuição de quotas e de contratação de mão-de-obra não residente, designadamente tornando-o mais transparente o seu processo de atribuição. Os residentes e a economia de Macau ganharão com isso. Em suma, a resolução do problema dos recursos humanos em Macau está perfeitamente ao nosso alcance, assim haja a vontade política para o fazer.
Agora que o assunto já não se encontra na justiça, permito-me terminar com a situação do Metro Ligeiro. O GIT avançou ontem para a assinatura do contrato com a Mitsubishi, algo que tanto desejava a muito tempo e a todo o custo. O GIT, em mais uma manobra escandalosa, respondeu à minha interpelação de 3 de Novembro em 31 de Janeiro, curiosamente já com a providência cautelar a correr nos tribunais. E se eu julgava que a minha interpelação de Agosto tinha sido respondida sem conteúdo e de forma evasiva, o que dizer desta resposta? Um total vazio, um completo nada, com erros de expressão, com partes de outros documentos cortadas e coladas em que se chega até a dizer que o GIT vai pedir esclarecimentos a todos os concorrentes quando à data da resposta, já a adjudicação era oficial!
Em suma, uma total falta respeito por mim, pela AL e pelos cidadãos de Macau, e a confirmação que o GIT se sente seguro da sua impunidade e não tenciona actuar de forma transparente. Ainda assim, importa revelar algo de extrema gravidade aos leitores: foi na sequência de uma carta enviada por mim, em que revelei conhecer diversos incumprimentos da Mitsubishi (entre eles, relativamente ao sistema de Automatic Traffic Control – ATC), que o GIT decidiu suspender as negociações com a empresa japonesa e enviar todo o processo para nova avaliação (em 14/9/2010), obrigando a Comissão de Avaliação a confessar que tinha ignorado tal gravíssimo incumprimento, solicitando à Mitsubishi que obtivesse – fora de tempo! – um documento que ajudasse a mascarar o facto de não fornecer directamente o sistema de ATC.
O documento submetido pela concorrente japonesa nada diz sobre o facto da Mitsubishi fornecer directamente o ATC, apenas indicando que “completou um projecto” que o incluía, o que jamais deveria ter sido aceite. Por outro lado, a questão da Ponte Sai Van continuará a ser um tema crucial: caso o GIT persista em acreditar cegamente nos engenheiros japoneses que entendem desnecessária a alteração dos cabos, penderá para sempre sobre eles essa responsabilidade, como uma espada de Damocles. Caso se decida mudar os cabos de suspensão da Ponte, veremos quem pagará a conta…
De todo este processo, resulta evidente que urge actualizar a legislação dos concursos públicos e mudar drasticamente os procedimentos cinzentos de certos sectores da administração pública, que é terreno fértil para abusos de poder e arbitrariedade. Mas não descanse o GIT à sombra do contrato que ontem assinou, porque continuarei muito atento à execução deste projecto, especialmente à ocorrência de atrasos, custos adicionais e derrapagem financeira.