“O segredo é a alma do negócio”
E dos frutos que o Fórum Macau tem trazido para o território. Rita Santos, secretária-adjunta da estrutura, assegura que há trocas e investimento – os empresários locais é que não gostam de falar muito sobre o assunto.
Sónia Nunes
A menina que aos sete anos fazia panchões e juntava algodão para calçar os sapatos das irmãs tem hoje um currículo de doze páginas. Rita Santos foi e é muita coisa: auditora de contas nos Serviços de Finanças, chefe de departamento no antigo Leal Senado e, desde 2003, coordenadora do gabinete de apoio do Fórum Macau – função que acumula agora com a de secretária-adjunta da organização. De tudo isto a ex-candidata às eleições legislativas pela lista de Pereira Coutinho destaca a distinção com a Grã-Cruz da Ordem de Mérito de Portugal e a ponte que faz entre a China e o mundo lusófono. O papel do Fórum está a crescer (falta espaço e pessoas) e os negócios dos empresários locais também. Só não se sabe.
- Foi nomeada em Agosto secretária-geral adjunta do secretariado permanente do Fórum Macau. O novo título traduziu-se no seu trabalho?
Rita Santos – O que tenho estado a fazer é um trabalho de continuidade. Com o apoio destas associações, dos governos lusófonos e de todos os serviços públicos de Macau, tenho estado a trabalhar com dedicação. Gosto tanto. Sou macaense, sempre trabalhei por servir o intercâmbio entre a China e os Países e Língua de Portuguesa (PLP) – mesmo antes do estabelecimento da RAEM. [A nomeação] foi um reconhecimento não só da minha pessoa, como de todo o pessoal do gabinete [de apoio ao secretariado], que trabalha dia e noite para poder elevar a imagem de Macau como plataforma. E para que essa plataforma não termine aqui.
- A sua carreira acaba por estar associada ao crescimento do Fórum. Em 2003, era responsável pelo apoio logístico na organização da primeira conferência ministerial; em 2010 recebe Wen Jiabao como secretária-adjunta. Como é olha para este progresso?
R.S. – Ainda me lembro quando, em 2002, me chamaram para ser dirigente do gabinete de apoio. Tinha dúvidas: o que era um fórum para a cooperação económica entre a China e os PLP? No entanto, acreditei neste projecto e trabalhei arduamente. Hoje, vejo que todas as comunidades locais olham o Fórum como uma forma de elevar a imagem de Macau ao nível internacional. Sinto também que a comunidade portuguesa e macaense já tem mais confiança: com o Fórum, eleva-se também a utilização da língua portuguesa, nos organismos públicos e nas iniciativas privadas. É um marco importante para a presença destas comunidades em Macau. É uma aposta acertada. Gostaria que, no futuro, houvesse mais gerações a concretizar mais esta plataforma.
- Pode dizer-se que com a presença de Wen Jiabao na conferência ministerial o Fórum atingiu o ponto mais alto ao nível político. Quando vai acontecer o mesmo em relação aos negócios?
R.S. – Desde a criação do Fórum que muitos empresários de Macau estão a dedicar-se a esta cooperação. Muitos estão a fazer negócios – mas, como o segredo é a alma do negócio, não gostam de fazer publicidade do seu sucesso. Muitos estão já a importar produtos de vasta gama de Portugal para o interior da China. Também com a influência do Fórum, há uma grande empresa, a Geocapital, que está a montar bancos [de investimento] em quase todos os PLP. Também há a fábrica de torrefacção de café, um investimento do português Vasco Pereira Coutinho, que está a utilizar o CEPA para introduzir café na China. Também conheço muitos portugueses e macaenses de pequenas e médias empresas (PME) que estão a começar a exportar vinho, azeite e outros produtos de Portugal. Há jovens empresários que passam por Macau e que estão a entrar em negociações com a China na área da alta tecnologia e controlo ambiental. Há empresários da China que estão interessados em encetar negócios nos países de África. Ultimamente, também temos empresários brasileiros que querem constituir parcerias com os de Macau. A concretização dos negócios depende da capacidade de cada empresário – nós só acompanhamos os contactos.
- Pode dizer-nos até que ponto os empresários de Macau têm beneficiado com o Fórum?
R.S. – A mais-valia dos empresários de Macau é o conhecimento da cultura e das formas de negociação com os empresários da China. O mesmo se passa em relação aos PLP. É com o contacto pessoal e confiança que os empresários da China depositam maior interesse em constituir parcerias com os empresários locais. O Fórum Macau funciona em paralelo com as relações bilaterais – é mais um caminho aberto para que os nossos empresários possam servir de ligação.
- Quantas parcerias é que foram criadas?
R.S. – Normalmente, os empresários de Macau não nos informam sobre o seu sucesso. Sei que muitos estão a fazer negócios. Alguns estão a instalar fábricas em Timor-Leste, onde um empresário também já tem ligações na área das telecomunicações; outros, a exportar motociclos para Moçambique ou a encetar contactos para o desenvolvimento na área de agricultura.
- Há empresários locais que defendem a criação de uma linha de crédito e seguros para salvaguardar também a participação de Macau na importação e exportação de produtos. Está a ser preparada alguma coisa neste sentido?
R.S. – A linha de crédito foi anunciada pelo primeiro-ministro. É um projecto da República Popular da China (RPC), aguardamos as orientações do Governo Central. Penso que esta linha de crédito poderá também beneficiar os empresários locais.
- Mas essa linha de crédito não é entre a China e os países lusófonos?
R.S. – Sim, terá que ver com as relações bilaterais. Estou antes a referir-me ao fundo de desenvolvimento [de mil milhões de dólares norte-americanos para os países lusófonos em vias de desenvolvimento]. Estamos a aguardar a resposta do Governo Central.
- A Geocapital disse que estava a preparar a criação de um banco de investimento em Macau. Tem conhecimento deste projecto?
R.S. – Se estiverem interessados, hão-de entregar uma proposta ao Governo. Na altura da discussão do plano de acção, abriu-se a hipótese de haver mais participações por parte da iniciativa bancária. Como é um projecto do Banco de Desenvolvimento da China, estamos à espera.
- O primeiro-ministro deixou uma série de recomendações. Destaco o aperfeiçoamento da estrutura orgânica e a criação de um estatuto legal para o Fórum em Macau. O que está a ser feito?
R.S. – A questão do estatuto legal foi abordada na última reunião do secretariado permanente. Estamos na fase de discussão e de estudos. Em relação à estrutura orgânica, cabe ao secretariado responder. Sou representante do Governo da RAEM, que respeita e apoia todos os trabalhos de funcionamento do secretariado permanente. Estamos aqui para respeitar as opiniões da China e dos PLP.
- Foi também referida a criação de um centro de formação, de um grupo de trabalho para o investimento e de uma base de dados sobre investimento e negócios. No site do Fórum estão inscritas seis empresas, todas de Cabo Verde. São as que existem ou a base de dados não foi actualizada?
- O Governo da RAEM, caso o secretariado permanente pretenda reformular o web site ou a base de dados, dá todo o apoio.
- Que parcerias o Fórum Macau tem com associações locais privadas?
R.S. – Não estou apta a responder a tantas perguntas sobre o secretariado permanente – ainda existe um secretário-geral. Gostaria de aprofundar mais sobre as áreas de plataforma de Macau.
- O que há a acrescentar?
R.S. – É importante alargar mais o ensino da língua. Tenho aconselhado muito os macaenses a aprenderem o mandarim. Tenho também influenciado os chineses a aprenderem português. Desde o estabelecimento da RAEM que tem aumentado o número de pessoas que estão a aprender as duas línguas para, um dia, poderem não só trabalhar na Função Pública, como criarem os seus próprios negócios.
- Diga-nos como é o seu trabalho diário aqui no Fórum. Chega ao gabinete e o que acontece?
R.S. – Não trabalho só das 9 às 5h45. Como temos de estabelecer ligação com os PLP e participar nas actividades organizadas pelas associações locais, quase que trabalho todos os dias até às 23h. A primeira coisa que preciso de fazer é ver o e-mail e tentar responder. São centenas, vindos de toda a parte do mundo. Continuo a coordenar o gabinete de apoio – temos de respeitar todos os procedimentos legais em termos de aquisição de bens e serviços, contratação de pessoas e matérias administrativas.
- Há necessidade de contratar mais pessoas ou de adquirir um novo espaço?
R.S. – Uma vez que as solicitações da China e dos PLP são cada vez maiores, estamos a pensar aumentar o número de pessoal. Contando com condutores e serventes, só temos vinte e tal pessoas. Não é preciso alargar muito – no máximo será três ou quatro pessoas – uma vez que fazemos o possível para dar apoio às PME, nomeadamente na parte de relações públicas ou realização de actividades, como feiras e exposições. O nosso pessoal é mais do âmbito de prestação de apoio de tradução e de serviço de ligação, protocolo e apoio diário às tarefas do secretariado permanente. O espaço que existe não é adequado, vamos ver se pudemos mudar brevemente, se houver condições, para outro local.
- Porquê?
R.S. – A sala de reunião só dá para 12 pessoas. Não temos condições físicas para poder receber as visitas da China, dos PLP e das associações locais. Muitas vezes temos de recorrer ao espaço de outros serviços públicos, o que não é muito adequado. Estamos à procura de um local que possa respeitar as solicitações do secretariado.
O futuro está no mandarim
- Como divide o tempo entre o Fórum e a Associação de Trabalhadores da Função Pública de Macau?
R.S. – Na hora de almoço, vou à ATFPM. Ao fim-de-semana também, para dar apoio e ouvir as opiniões dos associados e, assim, poder apresentar propostas ao Governo. Além de presidente da assembleia-geral, sou também responsável pela organização de actividades recreativas e culturais. Praticamente não tenho tempo livre. Tenho sorte porque tenho o apoio total do meu marido e do meu filho, que já está crescido e também está a montar o seu negócio. Espero que ele consiga qualquer coisa um dia.
- E a Rita Santos, sente que conseguiu alguma coisa?
R.S. – Houve uma coisa de que gostei bastante. Foi pena que os meus pais não estivessem vivos. Foi quando recebi a comunicação do Governo de Portugal de que tinha sido condecorada comendadora. Foi uma notícia bastante boa para mim, os meus irmãos, cunhados e sobrinhos. Não é a posição que determina a amizade – as pessoas não me chamam secretária-geral, coordenadora ou comendadora. Chamam-me Rita Santos. Tratam-me por pessoa amiga. Espero que, depois de me reformar, continue a ter esta camaradagem, que me dá vida. Sou Rato, as pessoas deste signo gostam muito da vida social. Estou feliz e gosto de viver em Macau, a minha terra, onde tenho as minhas raízes, todos os apoios e onde posso ajudar as pessoas.
- Gosta de ajudar?
R.S. – Muito, desde criança. Aos sete anos comecei a trabalhar pela comunidade. Levantava-me às seis da manhã, alternadamente com a minha irmã, para ir ao norte da cidade buscar dez pães, que eram para o pequeno almoço. Éramos dez irmãos. Nasci numa família muito pobre: a minha mãe era doméstica; o meu pai, polícia com quatro estrelas e pouco rendimento mensal. Tínhamos de trabalhar nas férias para contribuir para o sustento da família: fiz panchões, malas, flores artificiais, cortei fios das calças de ganga. Também trabalhei numa fábrica de brinquedos.
- Qual foi o primeiro trabalho que teve?
R.S. – Foi a fazer panchões. Tinha oito anos. As minhas irmãs mais velhas iam à fábrica buscar panchões e levavam-nos para casa. Era um trabalho perigoso, aquilo era explosivo. Quando recebia o produto do meu trabalho, parte era para a minha família; a outra, para eu poder comprar material escolar. Gostava de poder ganhar um bocadinho para conseguir comprar uma coisa nova. Foi por isso que ganhei esta ideia: só com trabalho é que podemos ganhar o pão de cada dia.
- Qual foi a primeira coisa que lhe deu mesmo gosto comprar?
R.S. – Um par de sapatos. Usava sempre os das minhas irmãs: tinha de pôr muito algodão para poder adequá-los ao tamanho do meu pé. Comecei a passear pela zona norte, a tentar mostrar que tinha um par de sapatos novos (risos). Eram vermelhos. Comprei também um boneco, que ainda guardo. Agora, que estou numa situação financeira mais folgada, quando vejo bonecos, compro. Era o meu sonho ter uma boneca bonita para me acompanhar durante a noite.
- E hoje qual é o seu sonho?
R.S. – Gostaria de influenciar mais pessoas a trabalhar nesta área. Que Macau continuasse a ter esta imagem de plataforma para sempre. Que a língua portuguesa e a cultura dos países lusófonos fosse cada vez mais forte. Que as pessoas, quando vissem Macau, dissessem: ‘Ah… Macau é um ambiente de encontro de culturas, onde podemos viver’.
- Tem essa capacidade de influência?
R.S. – Não é isso. Digo a quem se cruza comigo: ‘Aprenda mandarim’. Porquê? É um bom futuro. Sinto que estou a ser muito acarinhada pelos amigos da RPC e dos países lusófonos porque tenho a cultura portuguesa e aprendi a cultura chinesa. Fiquei tão contente quando falei mandarim com a minha sobrinha-neta. Olhei para ela e pensei: “Se quiser continuar a viver em Macau, terá um bom futuro”. É melhor os nossos amigos portugueses e macaenses aprenderem mandarim, sem desrespeitar a nossa língua portuguesa, a nossa língua do coração. S.N.