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JOSÉ PEREIRA COUTINHO

Deputado à Assembleia Legislativa e Presidente da Direcção da ATFPM

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“Tenho menos tempo e possibilidade de falar”

February 8, 2011

 
by pontofinalmacau

Pereira Coutinho vê minutos a passar. Diz que perdeu tempo de antena para o Governo num novo hemiciclo que não está para debates. Lau Cheok Va tem há seis meses um projecto de alteração do regimento da AL apresentado pelo deputado.

Sónia Nunes

Sabe que não é como os outros e diz que é por se saber diferente que gosta de estar na Assembleia Legislativa (AL). José Pereira Coutinho apresenta-se como o deputado que está no nicho das questões sensíveis para o Governo e vê utilidade em ser incómodo. Apesar de estar a preparar um projecto de lei sobre a protecção ambiental e de apoiar os pro-democratas no pedido de audição sobre a Ilha Verde, o também presidente da Associação dos Trabalhadores da Função Pública entende que as interpelações são hoje a melhor arma política do hemiciclo. Há já um Chefe do Executivo atento – o problema são os outros.

- Evoluiu como deputado desde a última legislatura?

José Pereira Coutinho – Em qualquer função, pública ou privada, desde que arregacemos as mangas e trabalhemos com a honestidade e a frontalidade necessárias, conseguimos atingir objectivos. A AL progrediu muito, mas é preciso que o Executivo colabore com lealdade. Por exemplo, o Governo não é honesto na forma como responde às interpelações escritas. Não responde em tempo útil, nem de forma directa. Isto prejudica os nossos trabalhos: sinto que somos desrespeitados. Fiz, pela quinta vez, as mesmas perguntas sobre os trabalhadores dos SAFP [Serviços de Administração e Função Pública] que foram obrigados a descolarem-se a Coloane para fazerem campismo. Há uma série de interpelações que somos obrigados a repetir. É uma perda de tempo, uma falta de responsabilidade e demonstra que não existe um mecanismo de fiscalização da forma como as tutelas nos respondem.

- A apresentação de interpelações sucessivas pode prejudicar a sua imagem como deputado junto do Governo?

J.P.C. – Não. A primeira função de um deputado é fiscalizar a acção governativa. Por semana, um deputado tem de fazer uma interpelação – se não o fizer está a deixar de cumprir o seu dever fundamental. O mecanismo de audição não é, neste momento, possível: não consigo ter apoio para ouvir o Governo sobre questões sensíveis e nas quais os meus colegas não estão dispostos a meter a assinatura.

- Os pro-democratas apresentaram um pedido de audição sobre o caso das barracas da Ilha Verde. Têm o seu apoio?

J.P.C. – O que tem de mal o processo de audição? Se o Governo é transparente, responsável, e tem em mente a necessidade de se justificar perante a população (eles não deixam de ser meros gerentes contratados pela população para governar Macau), a Assembleia (onde o Governo tem sete deputados) deveria apoiar um deputado em todo o processo de audição. Aprovo e subscrevo. Se não fossem eles, seria eu. Não se pode conceber que o processo se tenha prolongado por mais de 15 anos. O Governo tem uma responsabilidade nessa demora. Por que resultou em sangue? É inadmissível. E é preciso que o Governo venha à AL prestar contas.

- Mas admite que, tal como aconteceu na legislatura anterior, o pedido de audição seja chumbado.

J.P.C. – Temos 29 deputados: 12 são eleitos pelo povo, sete são nomeados pelo Chefe do Executivo e os restantes são dos grupos de interesse, maioritariamente conotados com o Governo. É com estas linhas que cosemos. Nas Linhas de Acção Governativa (LAG) e nas mensagens de Ano Novo, o Chefe do Executivo prometeu que ia implementar um Governo transparente. A transparência começa pela oportunidade dada aos deputados de ouvir os dirigentes. Mas atingir este desiderato não é fácil.

- Esta legislatura não trouxe mudanças?

J.P.C. – O marco diferencial que possa existir estará sempre condicionado à própria estrutura da AL. Esse marco existe. Hoje não há assuntos tabu – desde que sejam do interesse da população são levantados, mesmo que sensíveis. Os pandas: as duas mil patacas que foram retiradas da compensação pecuniária vão, provavelmente, para o Fundo dos Pandas. Temos de apoiar as espécies protegidas. Nada contra. Mas é inadmissível que, depois de nos sacarem duas mil patacas, ainda nos cobrem dez para ver animais que nos foram oferecidos pelo Governo Central. Está mal. É uma questão sensível: envolve os pandas, o Governo Central, erário público e a falta de dois dedos de tola. Antes de 2005, este assunto nunca seria objecto de discussão pública. Outra questão sensível: o Chefe do Executivo não autorizou o ex-Chefe do Executivo a estar no tribunal. Ninguém pegou nisso, nós pegámos.

- Porquê?

J.P.C. – Os deputados são provenientes de substratos diferentes. Todos na Assembleia têm limitações, consoante a sua actividade privada, situação política, ligação ao Partido e aos subsídios chorudos da Fundação Macau. Nós, como não temos conflitos de interesses, estamos com uma margem de liberdade muito maior, que permite que os assuntos mais sensíveis sejam discutidos na AL e que obriga a que os outros se pronunciem no momento da votação. Estou muito satisfeito com a possibilidade de, neste nicho de questões sensíveis, nós estarmos lá para perguntar.

- A Assembleia mudou com a presidência de Lau Cheok Va?

J.P.C. – É. Cada presidente tem a sua personalidade – só por aí já conseguimos ver que alguns secretários vão à AL passear. Estão à vontade, sabem que o presidente deixa falar tudo, incluindo as compras no mercado. Perde-se, de alguma forma, a função da Assembleia como órgão fiscalizador do Governo. Nas LAG, roubaram-nos 15 minutos em cada secretário [a intervenção de meia hora dos deputados foi dividida em duas partes]. É péssimo. Além disso – e fora do que é normal – muitos mais deputados (e mais nomeados) quiseram intervir, o que diminuiu a possibilidade de eu, Pereira Coutinho, poder falar mais vezes. Cada vez tenho menos tempo e possibilidade de falar.

- Podemos justificar a falta de actividade do hemiciclo com a nova presidência?

J.P.C. – A moderação dos debates afecta, de alguma forma, a qualidade interventiva da AL. Não existe debate: o que existe são perguntas e respostas. Apresentei um projecto de resolução há seis meses. Mais do que a moderação do debate, interessa a forma como o Governo, por via regimental, tem de vir a AL responder às perguntas dos deputados. O mais comum agora é o Governo não responder. E os deputados não têm possibilidade de voltar a interpelar. Mais grave do que ser pergunta/resposta é ser pergunta sem resposta. Como o presidente não vê se a pergunta foi cabalmente respondida pelo Governo (Susana Chou não fazia muito bem, este faz muito pior), estamos nesta situação.

- Falou de um projecto de resolução. Do que se trata?

J.P.C. – Apresentei um projecto de resolução ao presidente para alterar o regimento interno da AL, no sentido de obrigar o Governo a responder às interpelações escritas de forma directa, clara, coerente e precisa. Está em banho-maria.

- E o que aconteceu aos projectos de lei? Os deputados desistiram de os apresentar?

J.P.C. – Posso adiantar que eu e mais três colegas estamos a pensar apresentar um projecto em matéria de protecção ambiental. Mas não é fácil. É preciso haver um consenso interno para garantir, pelo menos, o mínimo de apoio para aprovação dos projectos. Isto leva algum tempo a amadurecer. Perde-se muito tempo a fazer uma coisa que só serve para justificar perante o povo que se fez alguma coisa, sabendo de antemão que não terá viabilidade. Neste momento, o resultado prático das interpelações é mais positivo do que a apresentação de projectos.

- Qual é o âmbito desse projecto de lei que está a preparar?

J.P.C. –  Está numa fase embrionária, depende de como os meus colegas vão conseguir garantir o apoio à aprovação desse projecto. Temos uma estrutura administrativa pesada, os Serviços de Protecção Ambiental têm oito departamentos, dois deles de fiscalização. Mas não há resultados. É assim talvez por que não existem regras, normas ambientais claras, que possam ajudar a direcção de serviços a melhor executar as suas tarefas.

- Faz falta um jurista na mesa da AL?

J.P.C. –  Não. Agora, há um défice de deputados juristas. Cada vez mais, as propostas do Governo provêm de um batalhão de juristas. Quase diria que, nas comissões, devia ser obrigatório haver dois ou mais [deputados] juristas para ajudar os colegas a perceber o que está a ser discutido.

- Falta-nos conhecer a sua opinião sobre o vice-presidente da Assembleia, Ho Iat Seng.

J.P.C. – É muito trabalhador. Está sempre em todas as comissões, intervém – é pena que os jornalistas não tenham acesso às reuniões. É também muito cuidadoso, sensível. As palavras fazem ricochete na sua pessoa. Não posso falar em termos profissionais, não tenho dados. Presta atenção, mede as palavras. Mas até ao ponto de poder contribuir para a dignificação da Assembleia, cumprindo a Lei Básica ao exigir que AL fiscalize o Governo, muita água corre. Vou segredar publicamente uma coisa: tenho relações pessoais óptimas com a maioria dos deputados. Fico muito feliz de cada vez que vou para a Assembleia porque encontro pessoas amigas, embora o nosso papel seja diferente. Compreendo. É por isso que tenho uma grande alegria, força de vontade, em ter um papel diferente dos meus colegas. Com todo o respeito.

O metro já passou?

Pereira Coutinho abstêm-se de mais comentários sobre o metro ligeiro: “Devo respeitar o princípio de separação dos poderes e não intervir em assuntos que estão em tribunal”. Sobre a batalha que travou nos últimos meses contra a adjudicação do sistema à Mitsubishi, o deputado apenas assegura que não tem ligações às empresas preteridas no concurso público. “Todas as informações vêm dos serviços públicos”, reitera. “Não queremos ter outro caso Ao Man Long. É esta a nossa preocupação. Escrevi duas cartas ao Chefe do Executivo. Fui até esse ponto”, vinca Coutinho.

 

“Esta equipa não é a do Chefe do Executivo”

February 8, 2011

 
by pontofinalmacau

- Já nos disse que estava satisfeito por estar no nicho das questões sensíveis. O que resulta, em concreto, dessa exposição pública?

J.P.C. – Incómodo ao Governo.

- Qual é o valor político do incómodo?

J.P.C. – Eleva a transparência, obriga a maior responsabilidade e leva à instituição de um mecanismo de fiscalização. Estou na linha da frente a pedir a responsabilidade dos titulares dos principais cargos públicos. O que eles fizeram foi um copy-paste de vários diplomas legais para trazer uma nova lei. Isto é deitar poeira. Tomam os cidadãos como parvinhos.

- Mas em que medida um deputado incómodo beneficia os residentes?

J.P.C. – Se as questões não forem colocadas no local e no momento certos passam como se nunca tivessem existido. Desde que houve um novo Chefe do Executivo, sentimos, cada vez mais, uma atenção. Há, por parte do Chefe do Executivo, uma necessidade de as várias tutelas resolverem os problemas que são levantados nas interpelações e intervenções antes da ordem do dia.

- Não era assim com Edmund Ho?

J.P.C. – Não acontecia no passado. A actualização salarial e dos subsídios, a reestruturação das carreiras, a Central de Incineração, os apoios aos idosos – estamos a fazer um levantamento das questões por nós colocadas e que o Governo, por uma questão de face, tem vindo a resolver, sem a população e deputados notarem. Posso dizer que, após o novo Chefe do Executivo, os directores de serviço dão uma maior atenção às questões dos deputados. Têm uma maior responsabilidade porque, a qualquer momento, podem levantar da cadeira.

- Se soubesse o que sabe hoje, teria votado em Chui Sai On?

J.P.C. – Nunca foi o meu candidato. Mas mudou. Nós agora conversamos com o Chefe do Executivo com frequência. Mas essa abertura tem de ter consequências – e as consequências não são sempre as que o Chefe do Executivo pretende porque algumas tutelas não cumprem o seu papel. Por isso é que falo em Governo colegial: apesar de temos o Chefe do Executivo no topo da estrutura, os outros agem de forma independente, não dão cavaco.

- Como assim?

J.P.C. – Um exemplo: a proposta de lei de patrocínio judiciário aos funcionários públicos. Fomos nós que falámos a Chui Sai On sobre isto e referíamo-nos aos médicos e trabalhadores do IACM [Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais]. Ele foi frontal. Disse-nos ‘Vamos alterar a lei’. Só que quando a proposta veio para AL incluía o próprio Chefe do Executivo e os secretários. Não foi o que tínhamos pedido. Quando o confrontámos com esta questão, ele também achou que não deveria ser assim. Porque é que a proposta passou pela mão de Chui Sai On, foi para Conselho Executivo, e ninguém reparou nesse pormenor? Isto significa que o Chefe do Executivo poderá não ter capacidade de governação total e que os secretários não estão a obedecer. É esta a análise política que se deve fazer.

- Também pode significar que Chui concordou.

J.P.C. – O Chefe do Executivo podia alterar a proposta. Por que não o fez? À luz do povo, foi assim: ‘Já que aquilo está errado e a culpa não é minha, é da secretária, que assuma a secretária [para Administração e Justiça, Florinda Chan]’. Politicamente interpreta-se assim. Isto vai continuar até que a RPC tenha um novo Presidente e um novo Primeiro-ministro – depois é que poderemos ver como é que o Governo Central quer que o Chefe do Executivo governe Macau. Sejamos francos: ele não tem tanto poder como tinha o anterior Chefe. Não tem tanta influência política, tanta margem de actuação. Esta equipa não é a do Chefe do Executivo. O que ele está a fazer é: ‘Façam o que quiserem. Eu continuo a viajar, a contactar pessoas lá fora’. É a lei da mínima intervenção (risos).

- Qual é a interpretação política que faz da recusa de Chui Sai On em deixar Edmund Ho ir ao tribunal?

J.P.C. – Também não sei. [O advogado de Pedro Chiang] queria somente saber de questões genéricas das LAG – os terrenos não são segredo de Estado, nem põem em causa a segurança da RAEM. Também fiquei espantado por [Chui] não ter justificado a não ida ao tribunal. Estou à espera da resposta. É importante ter esta resposta.

- E, neste caso, foi uma decisão de Chui Sai On?

J.P.C. – Não posso ir por esse caminho de adivinhar o que está a acontecer.

- Fez o mesmo exercício em relação a Florinda Chan.

J.P.C. – Formalmente, foi o Chefe do Executivo que impediu.

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