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JOSÉ PEREIRA COUTINHO

Deputado à Assembleia Legislativa e Presidente da Direcção da ATFPM

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INTERPELAÇÃO ESCRITA

 

 

As famosas dez medidas do Secretário para os Transportes e Obras Públicas contribuíram de uma forma significativa para o aumento dos preços do mercado imobiliário e o agravamento da especulação selvática das fracções imobiliárias. De acordo com os dados fornecidos por várias agências de fomento predial, os preços dos imóveis para habitação subiram em média cerca de 10/15% do seu valor base desde o anúncio destas medidas.

 

Como tal, e sem terem sequer saído ainda do papel, estas medidas já se estão a mostrar contraproducentes e negativas para os cidadãos da RAEM, que estão cada vez mais obrigados a optar entre pagarem preços exorbitantes pela sua habitação ou residirem em casas delapidadas, sem condições e sem dignidade.

 

Aliás, a desadequação destas medidas genéricas e sem alcance prático concreto já estão a ser contestadas por franjas significativas da população tendo muitas associações de representativas dos interesses dos trabalhadores apresentado as suas petições ao Governo espelham bem a insuficiência, a insatisfação e a preocupação da população da RAEM quanto à eficácia destas medidas.

 

De entre as medidas propostas, destaco em primeiro lugar as da reforma fiscal na tributação das transmissões de imóveis e a da limitação do crédito para compra de habitação, que mostram que o Secretário e o seu Gabinete de Trabalho não conhecem outra forma de regular o mercado senão a estrangulá-lo. A solução deles é simples: se o mercado é forte demais, corta-se a liberdade do mercado e fica resolvido o problema.

 

Mas não fica. O Secretário não parece perceber que limitar a capacidade das pessoas de contraírem um empréstimo para comprar uma casa ou aumentar a carga fiscal de quem vende uma casa são propostas simples para resolver problemas complexos, e que, como bem sabemos, acabam sempre por falhar.

 

A força do mercado imobiliário é inevitável num território tão apetecível e acima de tudo de espaço limitado para a construção como é o da RAEM. E o dinamismo desse mercado, que é assumidamente um dos motores da nossa economia, deve ser encorajado porque gera emprego e riqueza para a RAEM. É claro que tem também de ser controlado, balizado e regulado com finalidade de impedir o aumento selvático dos preços dos imóveis, mas não estrangulando-o como se está a pretender fazer.

O que se procura não são medidas que comprometam o futuro do mercado imobiliário, mas sim que regulem as condições do presente, de maneira a permitir que os cidadãos da RAEM possam ter acesso a habitação de qualidade, com preços enquadrados nos seus rendimentos e não inflacionados pela especulação.

 

Neste aspecto, a RAEM devia sim procurar seguir mais o caminho tomado pelas autoridades do interior do continente, onde se controlou a especulação, mas se permitiu que o mercado funcionasse, em vez de simplesmente deturpar as suas condições com medidas artificiais e sem alcance concreto.

 

Como é evidente, o grande problema do aumento selvático dos preços dos imóveis na RAEM é o impacto que esse aumento tem na capacidade da classe média em adquirir a sua habitação e os limites que isso gera na oferta de casas dignas a preços suportáveis. A especulação imobiliária não tem origem nas pessoas que pedem 3 ou 4 milhões de Patacas ao banco para comprarem uma casa, tem origem nas entidades que negoceiam imóveis em grande número e a quem medidas de limitação de crédito ou de aumento de impostos pouco ou nada vão afectar. A solução proposta por este Grupo de Trabalho liderado pelo Secretário na prática consiste em fazer com que não haja dinheiro para comprar casas, por forçando os vendedores a baixarem os preços, mas vai levar a que os residentes tenham ainda menos acesso ao crédito de que necessitam para comprar a sua casa, seja ela por que preço for. Será disto que a RAEM precisa?

 

Como é óbvio, não. Do que a RAEM precisa é de mais e acima de tudo melhor habitação social, e também neste aspecto as medidas do Grupo de Trabalho desiludem. Até 2012, foi prometido construir 19.000 habitações, uma famosa promessa que já vinha do anterior Executivo, e a que se pretendem agora juntar mais 10.000 fogos resultantes da conversão de propriedades industriais em residenciais.

 

Mas estas fracções vão ser todas de pequena dimensão, e construídas em terrenos concedidos por leilão aos construtores, sem limitação específica quanto ao preço e condições de venda ou quanto às condições de construção, o que não resolve nada nem protege ninguém. Esta é claramente uma medida populista, construir muitas casas, mas pequenas. Conceder o terreno por leilão para ter o melhor preço, mas depois não controlar o preço de venda das fracções é uma autêntica asneira.

 

Imóveis de pequena dimensão não contribuem em nada para o aumento da qualidade de vida dos cidadãos da RAEM nem garantem o acesso a habitação digna a quem dela precisa. O que vai acontecer é que os cidadão da RAEM vão esgotar a sua capacidade de crédito junto dos bancos para comprarem uma casa pequena e depois vão ficar sem condições para viver nelas à medida que as suas famílias crescem e sem capacidade para trocarem de casa. Uma casa é um investimento sério, um investimento para a vida, e quem começa agora a vida numa casa pequena ficará condenado a viver nela durante muitos anos, por mais que a sua família cresça.

 

Para ter em conta estas situações e resolver os problemas de habitação da RAEM, em vez de mudar os impostos e reduzir o crédito, a verdadeira de medida de gestão teria sido o Secretário e o Gabinete de Trabalho conduzirem um estudo de mercado para determinar as necessidades reais de habitação dos cidadãos de Macau, não só do ponto de vista da quantidade, mas também da qualidade. E isto parece que não foi feito.

 

Depois de se determinarem estas necessidades, o passo seguinte seria o de promover a construção das habitações necessárias, talvez com recurso a parcerias com empresas de construção para obter condições melhores, e com um modelo claro e transparente de acesso a estas habitações. Porque não seguir o modelo que outros países já seguiram, nomeadamente construindo habitação de custo controlado com dimensões médias em vez de pequenas, permitindo apenas que pessoas singulares as adquiram para afastar empresas imobiliárias e especuladores, limitando o número de fracções a uma por pessoa/família, sujeitando o acesso à compra destas fracções a variáveis como a idade, o rendimento, o agregado familiar, e limitando a possibilidade de revenda das casas por um período de tempo considerável? Assim sim, se garantiria que a classe média da RAEM tinha condições privilegiadas no acesso a habitação com qualidade e dignidade, podendo os cidadãos comprar a sua casa por valores racionais, por serem casas vocacionadas para os cidadãos, e cuja compra não seria permitida a especuladores.

 

O mesmo se deveria fazer quanto à questão específica da habitação para a função pública. O Governo deve ter a preocupação de garantir o acesso dos funcionários públicos, sempre com controlo dos seus rendimentos, claro, a habitação de qualidade, para proteger as pessoas que servem a RAEM com o seu trabalho do aumento galopante dos preços dos imóveis.

 

Assim, o que falta verdadeiramente à RAEM não são Grupos de Trabalho ou mudanças nos impostos, mas sim uma verdadeira Política Geral de Habitação Pública e Privada, que permita o acesso da população da RAEM a habitação especificamente pensada para as famílias e para os jovens em começo de vida, com condições de compra e venda que os protejam dos especuladores com maior grau de liquidez e muitas vezes provenientes fora RAEM e que tanto têm aproveitado as fraquezas locais para explorar o mercado local desregulado e produzir fortunas à custa de muitos sacrifícios das famílias locais.

Assim sendo, interpelo o Governo, solicitando, que me sejam dadas respostas, de uma forma clara, precisa, coerente, completa e em tempo útil sobre o seguinte:

 

1. Quando vai o Governo apresentar a Lei de Bases de Política Geral de Habitação Pública e Privada? Vai o Governo ponderar parcerias com as empresas de construção no sentido de mandar construir habitações destinadas ao sector privado ficando sob seu controlo o preço pé quadrado e limitando as condições de acesso à compra destes imóveis, de maneira a garantir que são as pessoas que precisam de casa para viver que as compram?

 

2. Qual a finalidade exacta de venda de um terreno em hasta pública com a imposição para a construção de fracções de pequenas dimensões sem exigências tais como o controlo fixação do preço de construção e venda final dos imóveis a fim de evitar a especulação ou garantias de acesso exclusivo a estes imóveis às pessoas que precisam de casa para viver e não para vender?

 

3.Quando vai o Governo construir mais fogos de habitação vocacionados especificamente para arrendamento aos trabalhadores da função pública? Desde o estabelecimento da RAEM, o Governo de acordo com a legislação vigente demitiu-se das suas responsabilidades de abrir concursos para atribuições de moradias aos trabalhadores da função pública, pelo que pergunto, até quando, terão os trabalhadores das classes mais baixas e com elevado agregado familiar de continuar a aguentar a especulação selvática das habitações do sector privado?

 

 

 

O Deputado à Assembleia Legislativa da Região Administrativa Especial de Macau aos 30 de Novembro de 2010.

 

 

José Pereira Coutinho

 

 

 

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