INTERVENCÃO ANTES DA ORDEM DO DIA
No dia 20 do corrente mês, cerca de 21 trabalhadores barricaram-se no topo do complexo habitacional de luxo “One Central” com a finalidade de reivindicar “salários em atraso” prometendo saltar para baixo, caso o problema não fosse imediatamente resolvido.
O protesto que durou cerca de vinte e quatro horas, com detenções policiais por meio, teve como resultado final, o pagamento parcial da dívida, com a promessa de receberem o remanescente no dia seguinte dos acontecimentos.
Mas o mais grave, e não tivesse o protesto sido amplamente divulgado pelos meios de comunicação social, outro acontecimento teria passado despercebido, designadamente os cerca de 52 (cinquenta e dois) ex-trabalhadores do empreiteiro geral do “One Central” que regressaram recentemente aos locais de origem sem receberam os “salários em atraso”.
No dia 22 do corrente mês, recebi no meu gabinete, cerca 10 trabalhadores de construção civil, todos residentes em Macau, que previamente apresentaram queixas na Direcção dos Assuntos Laborais (DSAL), reclamando (3) meses de salários em atraso, e o súbito despedimento sem qualquer justificação. Os trabalhadores locais alegaram que a empresa construção civil de nacionalidade americana e detentora de uma das licenças de Jogo, tem muitas vezes optado por uma política de primeiro despedir os trabalhadores locais mantendo contudo centenas de trabalhadores de construção civil não residentes.
Os queixosos alegaram que um mês antes do referido despedimento, a referida construtora americana, obrigou os queixosos, alguns com quase cinco anos de trabalho, a assinarem um documento designado por “Separation Agreement” onde ficou acordado que somente receberiam como compensação cerca de um mês (1) e mais de sessenta e cinco (65) dias de salário, ou seja um montante muito inferior à compensação que teriam direito nos termos da legislação em vigor.
Os queixosos afirmaram que foram obrigados a assinar o referido documento porque a empresa ainda devia alguns meses de salário em atraso, não tendo outra alternativa, senão aceitar as condições propostas, mesmo sabendo que eram injustas.
Esta situação e como todas outras, não teriam acontecido se houvesse sindicatos que pudessem intermediar em nome dos trabalhadores a fim de evitar tais abusos. E não tivemos conhecimento que a DSAL, que pretende substituir os sindicatos, tivesse alguma vez intercedido nestas situações para evitar flagrantes abusos, que se transformam em ilegalidades.
De acordo com os queixosos, quase todos os dias, são despedidos na referida empresa americana, cerca de uma dezena de trabalhadores da construção civil e outros, afim de evitar o impacto social e ser menos visível nos meios de comunicação social, como notícia informativa de relevo.
Devido ao volume de trabalho, os processos laborais vão amontoando e demoram um “calvário” processual a ser resolvidos e os inspectores da DSAL não têm mãos a medir para tentar resolver da melhor forma o crescente aumento de número de queixas laborais.
Como neste momento não existem sindicatos que possam de uma forma legal intervir em nome dos trabalhadores face ao crescente aumento de abusos no atraso de pagamento de salários, bem como no desrespeito pelos direitos e interesses dos trabalhadores, no final são quase sempre os trabalhadores que têm sofrer com estes abusos.
No dia 1 de Janeiro de 2009 entrou em vigor a nova Lei das Relações de Trabalho. E o nº. 1 do artigo 62º constitui no empregador o dever de pagar a remuneração base de uma forma regular e tempestiva. Adiante no seu nº.3 do referida disposição legal obriga que a remuneração de base seja paga no prazo de nove dias úteis contados da data do vencimento da obrigação, constituindo o seu incumprimento uma infracção contravencional nos termos da alínea 6) do nº.1 do artigo 85º com uma multa de MOP$ 20.000,00 (vinte mil patacas) a MOP$50.000,00 (cinquenta mil patacas) por cada trabalhador ao qual se verifica a infracção.
Contudo a DSAL, nos termos do nº1 do artigo 86º, recebe as queixas, instaura inquéritos, constitui arguidos, mas demora quase sempre mais de meio ano para que os trabalhadores sejam pagos dos salários em atraso. E no meio de tudo isto, os trabalhadores com salários em dívida, despedidos sem justa causa são muitas vezes chamados à DSAL para prestar informações e mais informações sem que com isto possa contribuir para acelerar o processo contravencional.
Devido à deficiente fiscalização laboral por parte da DSAL, em parte devido à falta de pessoal de inspecção, muitas empresas vão violando a lei, porque sabem de antemão que a DSAL é ineficiente, burocrática, e corrupta ao mais alto nível. Sendo assim, resta senão aguentar até que venha um novo Governo para por ordem e instituir transparência, responsabilização e dotar pessoal dirigente competente e apto para assumir responsabilidades perante a sociedade em geral.
Resumindo e concluindo, existe uma lei laboral que quase todos os dias é violada de uma forma grosseira, porque quase não existe fiscalização preventiva e cumprimento da lei em tempo útil. A DSAL para mais uma instituição que somente acode nos casos de rescaldo dos incêndios, para levantamento dos prejuízos e contagem do número de vítimas.
Sendo assim, não é de espantar que sejam quase sempre os trabalhadores os primeiros a pagar a “fatura” em tempos de crise económica.
O Deputado à Assembleia Legislativa da Região Administrativa Especial de Macau aos 28 de Abril de 2009.
José Pereira Coutinho