No dia 3 de Abril do corrente ano, este hemiciclo, apreciou, pela segunda vez nesta legislatura, um projecto de Lei Reguladora do Direito Fundamental de Associação Sindical que visava, nomeadamente, regulamentar o artigo 27.º da Lei Básica e aplicar a Convenção n.º 87 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que vigora em Macau. No fundo, e principalmente permitir que os trabalhadores se possam organizar e ser representados por livre escolha, quem melhor defenda, os seus interesses e direitos laborais.
Na apresentação do projecto de lei e respectiva nota explicativa que o acompanhava, referi expressamente, que estava aberto a introduzir melhorias na discussão na especialidade.
Alguns deputados, incluindo alguns nomeados pelo Chefe do Executivo, preferiram ignorar esta posição de abertura votando contra a aprovação na generalidade. Registamos este facto político: o governo está contra um projecto de lei que visa regulamentar uma norma da Lei Básica e aplicar uma Convenção internacional do trabalho em vigor em Macau. Um projecto de lei que visa permitir que os trabalhadores se possam organizar para defender os seus interesses.
Algumas críticas, que foram feitas ao projecto de lei, demonstraram uma enorme má fé, para usar uma expressão que foi utilizada por um deputado que votou contra o projecto de lei. Outras críticas foram uma tentativa de «lançar poeira nos olhos» para denegrir o projecto.
Não compreendemos a confusão que um deputado nomeado tentou estabelecer ao facto de no projecto de lei se remeter para diplomas complementares alguns direitos dos trabalhadores. Como sabemos, diploma complementar, tanto pode ser lei, como por regulamento. Nunca disse, que determinadas matérias que constariam de diplomas complementares deviam ser por regulamento ou por lei. Há matérias que constariam de lei. Há matérias que podem ser inseridas em regulamento. Na minha opinião, por exemplo, a organização de associações sindicais, a negociação colectiva e a greve devem constar de uma lei. É muito normal, juridicamente, que um diploma remeta a disciplina de certas matérias para diplomas complementares.
Mas esta questão não impedia, de modo nenhum, que o projecto de lei fosse aprovado, e é por isso, ser necessário encontrar outras razões.
Uma delas, defendida no debate, foi que a Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL) protege os interesses dos operários.
Nem vale a pena discutir se a DSAL protege ou não os interesses dos operários, porque nem é isso, que está em causa. Os trabalhadores são livres de se organizar para defender os seus interesses tal como estipula a Lei Básica e a Convenção da OIT que referi anteriormente. E foi isso que foi negado pela maioria desta Assembleia.
Com este tipo de argumentos contra a aprovação do projecto de lei sindical, também se podia dizer, por exemplo, que o governo protege as pessoas de Macau e não era preciso ter uma Assembleia Legislativa. Mas o problema é que nem o governo nem os deputados que votaram contra o projecto querem que os trabalhadores disponham dos meios legais para se organizarem e defenderem os seus legítimos direitos e interesses. E esta é de facto a triste realidade que deparamos quando Macau quer ser cada vez mais uma cidade internacional.
Mas nós temos esperança e vamos continuar a fazer o nosso trabalho para que a situação dos trabalhadores em Macau melhore. Por exemplo é preciso melhorar a lei laboral que entrou em vigor em Janeiro do corrente ano e que tem muitas normas prejudiciais para os trabalhadores, como aquela que estabelece apenas 6 dias de férias anuais para os trabalhadores e que até podem ser gozados de uma forma repartida, como se isso fosse tempo suficiente para estes recuperarem de longas horas de jornadas de trabalho e terem algum tempo para dedicarem mais às famílias.
Outra questão importante que havia referido e que necessita urgentemente de ser melhorada tem a ver com o facto da maioria dos acordos entre os empregadores e trabalhadores, nunca terem sido acordos justos, porque na maioria das vezes os trabalhadores encontram-se numa situação de nítida desvantagem negocial, porque quase todos têm uma “corda na garganta”. Ou aceitam calados os referidos acordos ou então perdem o emprego se atreverem a invocar os seus legítimos direitos e interesses laborais. Desta maneira como poderá haver JUSTIÇA SOCIAL em matéria laboral? Desta forma dificilmente se poderão atingir os desideratos de paz e harmonia social de Macau.
Por maior que sejam os meus esforços, não consigo aceitar as acusações de populismo quando disse na altura que votei contra esta norma, quando os deputados desta Assembleia têm, pelo menos, um mês de férias.
Assim, vamos continuar a trabalhar para que projectos de lei menos bons que foram aqui aprovados, recentemente, na generalidade possam ser melhorados ou até modificados no futuro, no caso de terem sido aprovados. Por exemplo, a lei que baixa de 14 para 16 anos a idade com que as crianças podem ser enviadas para a prisão. Ou a lei que fixa como limite máximo para crimes que não são contra as pessoas uma pena de prisão igual aquela que está fixada para crimes contra as pessoas, retirando a dignidade humana do centro da estrutura do nosso sistema penal e colocando em causa a nosso ver, o princípio da continuidade jurídica previsto na Lei Básica.
Enfim, muitos casos poderíamos citar, como exemplos, como a lei que acabou com o sistema público das pensões dos funcionários, entregando a capitalização das poupanças a fundos privados de especulação financeira, que agora se desvalorizaram, prejudicando gravemente a reforma dos trabalhadores. Uma atitude, que deixa envergonhada todo este Governo.
Mas como disse antes, nós temos esperança e vamos continuar a fazer o nosso trabalho e esperamos que o novo governo tenha atenção e cumpra a Lei Básica e as Convenções da OIT em vigor na RAEM.
O Deputado à Assembleia Legislativa da Região Administrativa Especial de Macau aos 15 de Abril de 2009.
José Pereira Coutinho