INTERPELAÇÃO ESCRITA
Após a recente publicação no B.O. nº 33 Série I de 18 de Agosto de 2008 da nova Lei nº 7/2008 concernente às relações de trabalho recebi, no meu gabinete, muitos trabalhadores do sector privado, que vieram queixar-se contra o contra o facto da referida lei permitir a resolução sem justa causa do contrato de trabalho por iniciativa do empregador conforme preceitua o disposto no artigo nº 70 do referido diploma legal.
A maioria dos queixosos desempenham funções de direcção nas associações representativas de trabalhadores e frequentemente defendem voluntariamente os direitos e interesses dos trabalhadores acompanhando os colegas à Direcção dos Serviços de Assuntos Laborais (DSAL) para apresentarem as respectivas queixas, ficando assim muito expostos a represálias por parte das entidades patronais, sendo muito recorrentes os despedimentos sem justa causa através da não renovação dos contratos sem que seja apresentada qualquer justificação para o despedimento.
Contudo, acontece que se encontra em pleno vigor, em Macau, desde há bastante tempo (considero que está em vigor desde 1999 e depois de 1999 por via do artigo 40º, mas em 2003 foi publicado o respectivo Aviso) a Convenção nº 98 da Organização Internacional de Trabalho (OIT) sobre a Aplicação dos Princípios do Direito de Organização e de Negociação Colectiva, cujo artigo 1º dispõe;
1. Os trabalhadores devem beneficiar de protecção adequada contra todos os actos de discriminação que tendam a lesar a liberdade sindical em matéria de emprego.
2.Tal protecção deve nomeadamente aplicar-se no que respeita a actos que tenham por fim:
a) Subordinar o emprego do trabalhador à condição de ele não estar filiado num sindicato ou que deixe de fazer parte de um sindicato;
b) Despedir o trabalhador ou causar-lhe prejuízo por quaisquer outros meios, por motivo de filiação sindical ou de participação em actividades sindicais fora das horas de trabalho ou, com o consentimento do patrão, durante as horas de trabalho.
Resulta desta norma jurídica, nomeadamente do disposto da alínea b) do nº 2 do referido artigo, que não poderá haver qualquer despedimento de trabalhadores, nem estes podem sofrer quaisquer prejuízos derivado do facto de estarem filiados em sindicatos ou por participarem em actividades sindicais fora das horas de trabalho.
Trata-se de uma obrigação imperativa que deveria ser transposta para a nova Lei das Relações de Trabalho de forma a que Macau cumprisse, honestamente as suas obrigações internacionais, mas, no final, como referimos, a nova lei do trabalho, contrariando esta obrigação, admite até o despedimento sem justa causa dos trabalhadores em qualquer situação.
Devo recordar, que nos debates na Comissão especializada da Assembleia Legislativa, que analisou a nova lei do trabalho em que participei como deputado alertei para esta contradição, entre as obrigações decorrentes da Convenção e da lei que se analisava e propus a eliminação do artigo 70º da lei que prevê o despedimento sem justa causa tendo votado vencido quando a lei foi aprovada.
Mas como referi, a Convenção nº 98 da Organização Internacional de Trabalho (OIT) sobre a Aplicação dos Princípios do Direito de Organização e de Negociação Colectiva vigora em Macau. E o seu artigo 1º alínea b) protege os trabalhadores contra o despedimento por motivo de filiação sindical ou de participação em actividades sindicais fora das horas de trabalho. Cremos que esta norma, uma vez que vigora em Macau pode aplicar-se, directamente, derrogando o artigo 70º da Lei nº 7/2008 concernente às relações de trabalho, que prevê o despedimento sem justa causa o que permite ao empregador não fundamentar os motivos do despedimento do trabalhador. E desta forma, nem se fica a saber se o trabalhador foi despedido por exercer os seus legítimos direitos de filiação sindical ou de participação em actividades sindicais não podendo os trabalhadores defenderem-se ou reagirem, por exemplo defendo os seus legítimos direitos.
A mesma preocupação com o despedimento abusivo sem justa causa consta no Appendix II elaborado pelo Comité dos Peritos quanto à aplicação das Convenções e Recomendações de Trabalho que o considera totalmente inadequado, merecendo uma melhor protecção quando estamos perante um dos mais importantes direitos fundamentais dos trabalhadores. (Em anexo se junta cópia do documento).
Assim sendo, interpelo o Governo, sobre o seguinte:
1. De que forma vai o Governo dar seguimento à protecção dos trabalhadores nos termos da alínea b) nº 2 do artigo 1º da Convenção nº 98 da Organização Internacional de Trabalho (OIT) sobre a Aplicação dos Princípios do Direito de Organização e de Negociação Colectiva que vigora em Macau? Considera o Governo que o artigo 70º da Lei nº 7/2008 concernente às relações de trabalho que prevê o despedimento sem justa causa dos trabalhadores, o que permite ao empregador não fundamentar os motivos do despedimento do trabalhador e assim nem o trabalhador fica a saber se foi despedido por exercer os seus legítimos direitos de filiação sindical ou de participação em actividades sindicais, serem despedidos sem justa causa?
2. Quando é que o Governo vai cumprir as suas obrigações internacionais decorrentes da Convenção nº 98 encorajando e promovendo o maior desenvolvimento e utilização de processos de negociação colectivas entre as entidades patronais e as associações de trabalhadores com vista a uma sociedade mais justa e igualitária?
O Deputado à Assembleia Legislativa da Região Administrativa Especial de Macau aos 17 de Setembro de 2008.
José Pereira Coutinho