Na semana passada, recebi no meu gabinete, um grupo de trabalhadores da Direcção dos Serviços de Finanças, quase todos revoltados, queixando-se, em síntese, que todos os trabalhadores do respectivo serviço foram obrigados a participar numa avaliação que os leva a imiscuir-se na vida privada dos seus colegas de trabalho, incluindo o seu superior hierárquico, a fim de elegerem os melhores trabalhadores do ano 2008 da DSF, a serem anunciados na festa anual do Dia das Finanças.
Para provar o que me diziam, deram-me cópias dos documentos de avaliação, que junto em anexo à minha presente intervenção, nomeadamente o formulário “inventado” pela Direcção dos Serviços de Finanças, absolutamente à margem da legislação em vigor.
O formulário de avaliação “inventado” por algumas mentes iluminadas da Direcção dos Serviços de Finanças (DSF) reza o seguinte:
“O tempo desliza sem dar por isso, não sabendo se você tem dado grande importância ao/à colega com quem trabalha na mesma subunidade? Agora, tente parar o seu trabalho e pensar um pouco! Faça uma avaliação e comparação, de acordo com o seu sentimento diário com ele/ela, pondo um sinal no quadro correspondente à resposta mais adequada.”
E o mais grave, são os 10 (dez) factores de avaliação, de preenchimento obrigatório, dos seus colegas que passo a transcrever na íntegra:
1. Escuta com atenção as opiniões de outros e dá respostas construtivas?
2. Cumpre as disciplinas e os regulamentos do trabalho?
3. Trata os assuntos de forma ordenada?
4. Participa activamente em todas as acções de formação e em formação contínua?
5. Partilha com os colegas de todas as subunidades a sua experiência e impressões com vontade?
6. A saída deste/desta colega vai gerar grandes prejuízos para a equipa?
7. O/A colega merece a nossa confiança?
8. Aceita as críticas com vontade e com a capacidade de auto-reflexo?
9. Tem bastante conhecimento sobre o seu trabalho?
10. Compreende melhor as instruções superiores ou os pedidos equiparados em comparação com outros colegas?
No final do questionário, que não é assinado por qualquer dirigente ou chefia da Direcção dos Serviços de Finanças (DSF), muito provavelmente a fim de evitar a assumpção de responsabilidades, termina com o seguinte: “Muito obrigado pela sua cooperação e sugestões apresentadas”
Contudo, a maioria dos trabalhadores foram avisados verbalmente pelos superiores hierárquicos que o preenchimento do questionário é obrigatório e quem não responder será punido disciplinarmente, supostamente por incumprimento dos deveres gerais constantes do Estatuto dos Trabalhadoras da Administração Pública de Macau (ETFPM).
Desde o estabelecimento da RAEM, que o Governo tem feito muita propaganda e publicidade no sentido de construir uma união e espírito de equipa entre os trabalhadores da Administração Pública de Macau. Contudo, exigir que um colega de trabalho da mesma subunidade se pronuncie sobre a confiança pessoal que lhe merecem os seus colegas, só pode surtir efeito contrário, originando desconfiança pessoal e profissional entre o pessoal.
De salientar o ponto 2 da inventada “ficha de avaliação” em que se obriga o trabalhador a “policiar” os seus colegas sobre se cumprem a disciplina e os regulamentos de trabalho, criando assim um clima propício à denúncia e à delação.
Que competência tem um colega de trabalho e de categoria inferior para proceder a juízos de valor, de natureza pessoal e profissional, sobre outros colegas, incluindo o seu superior hierárquico, para se pronunciar sobre se estes “têm bastante conhecimento sobre o seu trabalho” ? (Ponto 9)
O que nos parece é que, sob a capa de um aparentemente inócuo “Concurso dos Top Ten da DSF”, em que nenhuma autoridade da DSF se identifica como autora da ideia e cujos resultados até vão ser anunciados na grande festa anual dos Serviços, se está na realidade a pretender instalar um sistema “pidesco” e que faz lembrar os tempos da Revolução Cultural, em que os trabalhadores eram escrutinados e muitas vezes humilhados publicamente.
Perante este perigoso precedente, que é um péssimo exemplo para outros serviços públicos, o que se exige da tutela é uma maior atenção a estas iniciativas peregrinas, que só podem contribuir para diminuir a moral dos trabalhadores do sector público, ao promover a devassa da vida privada.
O Deputado à Assembleia Legislativa da Região Administrativa Especial de Macau, aos 11 de Agosto de 2008.
José Pereira Coutinho