NOTA JUSTIFICATIVA
O fenómeno da violência doméstica é uma das preocupações mais fortes da sociedade local, sobretudo recentemente, tendo começado a colocar em causa a harmonia social e pondo em crise a paz familiar. A violência doméstica, muitas vezes dirigida às mulheres, às crianças e aos idosos, é uma das mais graves chagas sociais, onde é difícil penetrar a intervenção protectora dos direitos por parte da Administração.
Contudo, apesar de a violência doméstica atingir gravosamente as crianças, os idosos, as pessoas dependentes e as pessoas com deficiência, a realidade demonstra que as mulheres continuam a ser o grupo mais afligido pelo fenómeno, suscitando abordagens centradas na violência de género.
A violência doméstica consubstancia uma violação dos direitos humanos, da liberdade e da autodeterminação das vítimas, com grande impacto pessoal, familiar, psicológico, profissional e social associado à prática do crime de violência doméstica. As vítimas de violência doméstica encontram-se em posição particularmente vulnerável, dado que normalmente habitam com o agressor, e assim sempre muito vulneráveis.
As Nações Unidas assinalam este fenómeno como global, praticado através dos tempos e com características semelhantes em países cultural e geograficamente distintos. Com a Conferência Mundial sobre as Mulheres, realizada em Pequim em 1995, figurou-se a Violência contra as Mulheres como uma das áreas críticas para atingir a igualdade entre mulheres e homens, tendo os diversos Governos assumido o compromisso de implementar todo um conjunto de medidas destinadas a prevenir e eliminar a violência contra as mulheres.
A Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres vigora em Macau, conforme informa o Aviso do Chefe do Executivo n.º 3/2001, sendo o instrumento universal de referência sobre os Direitos das Mulheres adoptado pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1979 e ratificado por 185 países. Esta Convenção reafirma o princípio da igualdade entre mulheres e homens, apontando as principais áreas de discriminação de que as mulheres são alvo e estabelecendo um plano de acção no sentido de incentivar a sua implementação. A RAEM apresenta relatórios periódicos junto do Comité que avalia a implementação da Convenção, enunciando as medidas tomadas na eliminação da discriminação das mulheres em todos os domínios, nomeadamente, político, económico, social, cultural e cívico.
O projecto de lei visa prevenir e reprimir o fenómeno da violência doméstica e apoiar e promover a autonomia e as condições de vida dignificantes às vítimas de violência doméstica, para além de criminalizar a conduta da violência doméstica.
O presente projecto de lei introduz inovatoriamente o uso de práticas restaurativas no campo da suspensão provisória do processo e de execução de pena, permitindo o encontro entre a vítima e o autor do crime e assim consagrando a tradição local de privilegiar esquemas de mediação na resolução de conflitos, procurando evitar, na medida do possível, o recurso aos tribunais. Fazendo apelo à autonomia e responsabilidade dos intervenientes na construção do seu futuro, promovendo uma participação real, dialogante e efectiva, que visa encontrar os meios mais adequados a restaurar a paz e harmonia social.
As soluções consagradas no projecto de lei inspiram-se ainda na ideia de que o fenómeno da violência doméstica reclama a intervenção cooperante dos poderes públicos e da sociedade civil, sendo a sensibilização e a educação para a cidadania moderna assente na dignidade humana como bem afirma a nossa Lei Básica. Aspectos do projecto apontam para que os diversos sectores da sociedade relacionados com a violência doméstica possam ter uma verdadeira capacitação técnica de todos os que contactam com o fenómeno e à promoção de comportamentos favoráveis a uma interiorização da importância que a integridade física e moral e a dignidade do ser humano assumem, enquanto matriz de uma sociedade justa e humanista.
Perante este contexto social e a real necessidade de proteger as vítimas de violência doméstica devidamente, ficamos deveras satisfeitos com a iniciativa recentemente anunciada pelo Governo e pelas soluções que eram apontadas na consulta pública, nomeadamente com a natureza de crime público e a inclusão das uniões de facto, bem como os casais do mesmo sexo, no âmbito de protecção da futura lei de violência doméstica. Contudo, ficamos bastante preocupados quando apercebemos que a lei não avança, o crime deixa de ser público e discrimina-se os unidos de facto e os casais do mesmo sexo. Não podemos pactuar com isto e ficar à espera eternamente do Governo. Aliás, em recente conferência realizada em Macau várias personalidades da sociedade civil, incluindo a colega Deputada, a ilustre Dra. Melinda Chan, a conhecida Madre Superior Juliana Devoy, Directora do Centro Bom Pastor, entre outros, bem como a ex-Presidente da Assembleia Legislativa, ilustre Dra. Anabela Ritchie, defenderam muito claramente a necessidade da lei ser produzida e do crime de violência doméstica ser público. Só assim se evita que a vítima, por medo e por vergonha social, fique totalmente desprotegida.
Não podia ficar mais tempo à espera e a pactuar com esta indecisão do Governo. O Governo pode esperar mas vítimas não podem esperar.
Por isso decidi proceder a uma ampla auscultação da sociedade e a grande maioria apoia a aprovação de uma lei de combate à violência doméstica e uma sólida maioria defende que o crime seja público e também que não deve haver discriminação para as uniões de facto e para os casais do mesmo sexo. No seguimento desta auscultação à sociedade fizeram-me chegar várias propostas e sugestões para enriquecer a lei. Por exemplo, foram pedidas normas sobre justiça restaurativa, apoio judiciário às vítimas, regras de igualdade e não discriminação, entre outras. Foi o que fiz.
Com a apresentação deste projecto cumpro a minha obrigação como Deputado, mas também a minha obrigação como cidadão. Apelo aos meus colegas Deputados que conscientemente aprovem esta lei porque não é uma questão política, é uma questão social e de justiça para com as vítimas.
Já chega de violência doméstica e de inacção.
O Deputado à Assembleia Legislativa da Região Administrativa Especial de Macau aos 11 de Março de 2013
José Pereira Coutinho
REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
Lei n.º /2013
Estabelece o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à protecção e à assistência das suas vítimas e à criminalização da violência doméstica
A Assembleia Legislativa decreta, nos termos da alínea 1) do artigo 71.º da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau, para valer como lei, o seguinte:
CAPÍTULO I
Disposições gerais
Artigo 1.º
Objecto
A presente lei estabelece o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica e à protecção e assistência das suas vítimas e à criminalização da violência doméstica.
Artigo 2.º
Finalidades
A presente lei promove as seguintes finalidades:
1) Desenvolver políticas de sensibilização nas áreas da educação, da informação, da saúde e do apoio social, dotando os poderes públicos de instrumentos adequados para atingir esses fins;
2) Consagrar os direitos das vítimas assegurando a sua protecção célere e eficaz;
3) Criar medidas de protecção com a finalidade de prevenir, evitar e punir a violência doméstica;
4) Consagrar uma resposta integrada dos serviços sociais de emergência e de apoio à vítima, assegurando um acesso rápido e eficaz a esses serviços;
5) Tutelar os direitos dos trabalhadores vítimas de violência doméstica;
6) Garantir os direitos económicos da vítima de violência doméstica, para facilitar a sua autonomia;
7) Criar políticas públicas destinadas a garantir a tutela dos direitos da vítima de violência doméstica;
8) Assegurar uma protecção policial e jurisdicional célere e eficaz às vítimas de violência doméstica;
9) Assegurar a aplicação de medidas de coacção e reacções penais adequadas aos autores do crime de violência doméstica, promovendo a aplicação de medidas complementares de prevenção e tratamento;
10) Incentivar a criação e o desenvolvimento de associações e organizações da sociedade civil que tenham por objectivo actuar contra a violência doméstica, promovendo a sua colaboração com as autoridades públicas;
11) Garantir a prestação de cuidados de saúde adequados às vítimas de violência doméstica.
CAPÍTULO II
Princípios gerais
Artigo 3.º
Princípio da igualdade e da não discriminação
Toda a vítima, residente ou não residente, independentemente da sua ascendência, nacionalidade, raça, condição social, sexo, etnia, língua, idade, religião, deficiência, convicções políticas ou ideológicas, orientação sexual, cultura e instrução, situação económica, goza dos direitos fundamentais inerentes à dignidade humana, sendo-lhe assegurada a igualdade de oportunidades para viver sem violência e preservar a sua saúde física e mental.
Artigo 4.º
Princípio do respeito e reconhecimento
1 — À vítima é assegurado, em todas as fases e instâncias de intervenção, tratamento com respeito pela sua dignidade pessoal.
2 — A RAEM assegura às vítimas especialmente vulneráveis a possibilidade de beneficiar de um tratamento específico, o mais adaptado possível à sua situação.
Artigo 5.º
Princípio da autonomia da vontade
A intervenção junto da vítima está limitada ao respeito integral da sua vontade, sem prejuízo das demais disposições aplicáveis no âmbito da legislação penal e processual penal.
Artigo 6.º
Princípio da confidencialidade
Sem prejuízo do disposto no Código de Processo Penal, o IAS e demais serviços de apoio à vítima asseguram o respeito pela sua vida privada, garantindo o sigilo das informações que esta prestar.
Artigo 7.º
Princípio do consentimento
1 — Sem prejuízo do disposto no Código de Processo Penal, qualquer intervenção de apoio à vítima deve ser efectuada após esta prestar o seu consentimento livre e esclarecido.
2 — A intervenção de apoio específico, nos termos da presente lei, ao jovem vítima de violência doméstica, com idade igual ou superior a 16 anos, depende somente do seu consentimento.
3 — A intervenção de apoio específico, nos termos da presente lei, à criança ou jovem vítima de violência doméstica, com idade inferior a 16 anos, depende do consentimento de representante legal, ou na sua ausência ou se este for o agente do crime, da entidade designada pela lei e do consentimento da criança ou jovem com idade igual ou superior a 12 anos.
4 — O consentimento da criança ou jovem com idades compreendidas entre os 12 e os 16 anos é bastante para legitimar a intervenção de apoio específico nos termos da presente lei, caso as circunstâncias impeçam a recepção, em tempo útil, de declaração sobre o consentimento de representante legal, ou na sua ausência ou se este for o agente do crime, da entidade designada pela lei.
5 — A criança ou jovem vítima de violência doméstica, com idade inferior a 12 anos, tem o direito a pronunciar-se, em função da sua idade e grau de maturidade, sobre o apoio específico nos termos da presente lei.
6 — A vítima pode, em qualquer momento, revogar livremente o seu consentimento.
Artigo 8.º
Protecção da vítima que careça de capacidade
1 — Fora do âmbito do processo penal, qualquer intervenção de apoio a vítima que careça de capacidade para prestar o seu consentimento apenas poderá ser efectuada em seu benefício directo.
2 — Sempre que, nos termos da lei, um maior careça, em virtude de perturbação mental, de doença ou por motivo similar, de capacidade para consentir numa intervenção, esta não poderá ser efectuada sem a autorização do seu representante, ou na sua ausência ou se este for o agente do crime, de uma autoridade ou de uma pessoa ou instância designada nos termos da lei.
3 — A vítima em causa deve, na medida do possível, participar no processo de autorização.
Artigo 9.º
Princípio do acesso equitativo aos cuidados de saúde
A RAEM, tendo em conta as necessidades de saúde, assegura as medidas adequadas com vista a garantir o acesso equitativo da vítima aos cuidados de saúde de qualidade apropriada.
Artigo 10.º
Acesso ao direito
1 — É garantida à vítima, com prontidão, consulta jurídica a efectuar por advogado, bem como a célere e sequente concessão de apoio judiciário, com natureza urgente, ponderada a insuficiência económica, nos termos da Lei n.º 13/2012.
2 — Quando o mesmo facto der causa a diversos processos, deve ser assegurada, sempre que possível, a nomeação do mesmo defensor à vítima.
Artigo 11.º
Princípio da informação
A RAEM assegura à vítima a prestação de informação adequada à tutela dos seus direitos.
Artigo 12.º
Direito à informação
1 — É garantida à vítima, desde o seu primeiro contacto com as autoridades competentes para a aplicação da lei, o acesso às seguintes informações:
1) O tipo de serviços ou de organizações a que pode dirigir-se para obter apoio;
2) O tipo de apoio que pode receber;
3) Onde e como pode apresentar denúncia;
4) Quais os procedimentos sequentes à denúncia e qual o seu papel no âmbito dos mesmos;
5) Como e em que termos pode receber protecção;
6) Em que medida e em que condições tem acesso a:
1) Aconselhamento jurídico; ou
2) Apoio judiciário; ou
3) Outras formas de aconselhamento;
7) Quais os requisitos que regem o seu direito a indemnização;
8) Quais os mecanismos especiais de defesa que pode utilizar, sendo residente em outro Estado.
2 — Sempre que a vítima o solicite junto da entidade competente para o efeito, e sem prejuízo do regime do segredo de justiça, deve ainda ser -lhe assegurada informação sobre:
1) O seguimento dado à denúncia;
2) Os elementos pertinentes que lhe permitam, após a acusação ou a decisão instrutória, ser inteirada do estado do processo e da situação processual do arguido, por factos que lhe digam respeito, salvo em casos excepcionais que possam prejudicar o bom andamento dos autos;
3) A sentença do tribunal.
3 — São promovidos os mecanismos adequados para fornecer à vítima a informação sobre a libertação de agente detido ou condenado pela prática do crime de violência doméstica, no âmbito do processo penal.
4 — A vítima deve ainda ser informada, sempre que tal não perturbe o normal desenvolvimento do processo penal, sobre o nome do agente responsável pela investigação, bem como da possibilidade de entrar em contacto com o mesmo para obter informações sobre o estado do processo penal.
5 — Deve ser assegurado à vítima o direito de optar por não receber as informações referidas nos números anteriores, salvo quando a comunicação das mesmas for obrigatória nos termos do processo penal aplicável.
CAPÍTULO III
Disposições penais
Artigo 13.º
Crime de violência doméstica
1. Quem, de modo reiterado ou não, infligir ofensas ao corpo ou à saúde, privações de liberdade ou ofensas sexuais, ou outros maus tratos físicos ou psíquicos:
1) A ascendente ou descendente;
2) Ao cônjuge ou ex-cônjuge e respectivos ascendentes e descendentes, com quem coabitem;
3) A pessoa com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação análoga à dos cônjuges, e respectivos ascendentes e descendentes, com quem coabitem;
4) A pessoa do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação íntima, e respectivos ascendentes e descendentes, com quem coabitem;
5) Ao progenitor de descendente comum em 1.º grau;
6) A pessoa com capacidade diminuída, em razão da idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica, que com o agente coabite;
é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
2. Se o agente praticar os factos previstos no número anterior contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos.
3. Se dos factos previstos no n.º 1 resultar para a vítima:
1) Ofensa grave à integridade física, o agente é punido com pena de prisão de 3 a 10 anos;
2) A morte, o agente é punido com pena de prisão de 10 a 20 anos.
4. Os maus tratos físicos ou psíquicos indicados no número 1, referem-se a ameaças ou intimidações para a vítima em termos de economia, de palavras, de linguagem ou de outro tipo.
5. O procedimento penal não depende de queixa nem de acusação.
Artigo 14.º
Penas acessórias
1. Ao condenado pelo crime referido no artigo anterior, podem ser aplicadas, isolada ou cumulativamente, as seguintes penas acessórias:
1) Proibição de contacto com a vítima, incluindo o afastamento do domicílio, do local de trabalho ou da instituição educativa que este frequente, pelo período de 6 meses a 8 anos;
2) Proibição de uso e porte de armas, pelo período de 6 meses a 8 anos;
3) Participação e conclusão de programas específicos de prevenção da violência doméstica.
2. A pena acessória de proibição de contacto com a vítima pode incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento pode ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.
Artigo 15.º
Inibição do poder paternal
Quem for condenado pelo crime previsto no artigo 3.º, atenta a concreta gravidade do facto e a sua conexão com a função exercida pelo agente, pode ser inibido do exercício do poder paternal, da tutela ou da curatela por um período de 1 a 12 anos.
CAPÍTULO IV
Disposições processuais penais
SECÇÃO I
Medidas de protecção
Artigo 16.º
Medidas imediatas de protecção
Sempre que a polícia tiver conhecimento de casos urgentes em que alguém está a praticar actos de violência doméstica, o órgão policial adopta de imediato as medidas de protecção necessárias, nomeadamente:
1) Garantir à vítima protecção adequada, comunicando de imediato o facto ao Ministério Público e ao Instituto de Acção Social, adiante designado por IAS;
2) Proceder à entrega da vítima a instituição médica adequada;
3) Quando haja risco de vida, de ofensa à integridade física ou à liberdade da vítima, de quem esteja a seu cargo ou de quem tenha a sua guarda de facto, encaminhar os mesmos de imediato para o IAS que os conduz a um estabelecimento seguro de acolhimento ou a um outro local adequado, para fornecimento de abrigo;
4) Acompanhar a vítima ao local onde ocorreu o incidente ou ao domicílio familiar, para que o mesmo retire os seus pertences.
Artigo 17.º
Requerimento da ordem de protecção
1. Havendo fortes indícios da prática do crime de violência doméstica, pode o juiz que preside à fase em que o processo se encontra, a requerimento da vítima, do seu representante legal ou do Ministério Público, emitir uma ordem de protecção que visa proteger a vítima de violência doméstica, a fim de exigir ao agente o cumprimento de determinadas regras de conduta.
2. O requerimento referido no número anterior é formulado por escrito, ou, em casos urgentes, pode ser formulado verbalmente, por telefone ou por outras formas de telecomunicações, sendo posteriormente lavrado termo para esse efeito, assinado e datado pelo requerente e pelo agente que receba o pedido.
3. O requerimento referido no número anterior pode ser apresentado pela vítima ou pelo seu representante legal junto do Ministério Público ou dos órgãos de polícia criminal, devendo estes remeter o requerimento ou o termo, imediatamente, ao juiz que preside à fase em que o processo se encontra.
Artigo 18.º
Audiência urgente
1. Se o requerimento não satisfizer o disposto no artigo anterior, o juiz indica o período de suprimento, caso o requerimento seja sanável, ou indefere o requerimento, caso este seja insanável.
2. Admitido o requerimento da ordem de protecção, o juiz realiza a audiência urgente num prazo não superior a 48 horas, e convoca, para o efeito, o Ministério Público, o agente, a vítima, o seu representante legal, bem como outras pessoas, cuja presença entenda ser necessária.
3. Durante a audiência, o juiz pode adoptar as medidas necessárias para evitar confrontos entre o agente e a vítima, os seus filhos ou restantes membros da família e determina, se necessário, que os mesmos sejam ouvidos em separado.
4. A audiência decorre com exclusão da publicidade.
5. No fim da audiência, o juiz decide imediatamente sobre a emissão da ordem de protecção referida no artigo anterior, determina o respectivo conteúdo e comunica, da forma mais rápida, ao agente, à vítima e aos serviços responsáveis pela respectiva execução.
Artigo 19.º
Conteúdo da ordem de protecção
1. O juiz pode impor ao agente na ordem de protecção todas ou partes das seguintes regras de conduta:
1) Não contactar com a vítima;
2) Sair do domicílio onde coabite com a vítima;
3) Não permanecer no domicílio onde habitem a vítima, seus familiares ou outras pessoas sobre as quais possa ser cometido outro crime;
4) Não ter em seu poder objectos ou utensílios capazes de facilitar a prática de crimes;
5) Participação e conclusão de programas específicos de prevenção da violência doméstica;
6) Qualquer outra regra de conduta especialmente exigida pelo caso.
2. É sempre exigida a concordância da vítima, do seu representante legal ou do Ministério Público antes de serem fixadas as regras de conduta referidas nas alíneas 1) a 3) do número anterior.
3. O incumprimento de qualquer uma das regras de conduta fixadas na ordem de protecção constitui crime de desobediência qualificada previsto no n.º 2 do artigo 312.º do Código Penal.
4. A ordem de protecção é executada pelo Departamento de Reinserção Social, subordinado à Direcção dos Serviços de Assuntos de Justiça, em apoio às autoridades judiciárias.
Artigo 20.º
Revogação, alteração e extinção da ordem de protecção
1. O juiz, oficiosamente ou a requerimento da vítima, do seu representante legal ou do Ministério Público, pode, depois de ouvir os serviços responsáveis pela execução da ordem de protecção revogar ou alterar parcial ou totalmente as regras de conduta impostas ao agente contidas na ordem de protecção.
2. As disposições dos artigos 17.º e 18.º são aplicáveis, com as necessárias adaptações, às situações referidas no número anterior.
3. A ordem de protecção extingue-se assim que se verificar qualquer uma das seguintes situações:
1) Revogação de todas as regras de conduta fixadas na ordem de protecção;
2) Aplicação da medida de coacção de privação da liberdade;
3) Suspensão provisória do processo;
4) Situações referidas no n.º 1 do artigo 198.º do Código de Processo Penal.
Artigo 21.º
Processos urgentes
Os processos relativos à ordem de protecção cuja demora possa causar prejuízo aos interesses da vítima têm natureza urgente e correm durante as férias judiciais.
SECÇÃO II
Suspensão do processo
Artigo 22.º
Suspensão provisória do processo
1. Em processo instaurado por crime de violência doméstica, exceptuando os casos previstos no n.º 3 do artigo 3.º e se verifiquem cumulativamente os seguintes pressupostos, pode o juiz de instrução criminal, sob proposta do Ministério Público, decidir sobre a suspensão provisória do processo, mediante a imposição ao arguido de injunções e regras de conduta:
1) Concordância do arguido, do assistente e da vítima não constituído assistente;
2) Ausência de condenação anterior do arguido por crime da mesma natureza;
3) Ausência de aplicação anterior de suspensão provisória de processo ao arguido por crime da mesma natureza;
4) Não haver lugar à aplicação da medida de segurança de internamento ao arguido;
5) Carácter diminuto da culpa;
6) Ser de prever que o cumprimento das injunções e regras de conduta responda suficientemente às exigências de prevenção do caso.
2. São oponíveis ao arguido, isolada ou cumulativamente, as seguintes injunções e regras de conduta:
1) Indemnizar a vítima;
2) Dar à vítima satisfação moral adequada;
3) Não contactar com a vítima;
4) Sair do domicílio onde coabite com a vítima;
5) Não permanecer no domicílio onde habitem a vítima, seus familiares ou outras pessoas sobre as quais possa ser cometido outro crime;
6) Não acompanhar, alojar ou receber certas pessoas;
7) Não frequentar certos meios ou lugares;
8) Não exercer determinadas profissões;
9) Não ter em seu poder objectos ou utensílios capazes de facilitar a prática de crimes;
10) Entregar a instituições de solidariedade social ou à Região Administrativa Especial de Macau, adiante designada por RAEM, uma contribuição monetária ou prestação em espécie de valor equivalente;
11) Participação e conclusão de programas específicos de prevenção da violência doméstica;
12) Qualquer outro comportamento especialmente exigido pelo caso.
3. Para fiscalização e acompanhamento do cumprimento das injunções e regras de conduta podem o juiz de instrução criminal e o Ministério Público recorrer aos serviços de reinserção social ou a outras entidades.
4. A decisão, em conformidade com o n.º 1, é irrecorrível.
5. A decisão referida no n.º 1 é comunicada ao agente, ao assistente, ao denunciante com legitimidade para se constituir assistente, à vítima, à parte civil e a quem, no processo, tenha manifestado o propósito de deduzir pedido de indemnização civil.
Artigo 23.º
Duração e efeitos da suspensão
1. A suspensão do processo por crime de violência doméstica pode ir até 5 anos.
2. Se o arguido cumprir as injunções e regras de conduta, o Ministério Público arquiva o processo, não podendo o mesmo ser reaberto.
3. O processo prossegue e o arguido não pode solicitar que as prestações feitas sejam repetidas:
1) Se o arguido não cumprir as injunções e regras de conduta; ou
2) Se durante o prazo de suspensão, o arguido cometer crime da mesma natureza pelo qual venha a ser condenado.
SECÇÃO III
Intervenção processual da vítima
Artigo 24.º
Direito à audição e à apresentação de provas
1 — A vítima que se constitua assistente colabora com o Ministério Público de acordo com o estatuto do assistente em processo penal.
2 — As autoridades apenas devem inquirir a vítima na medida do necessário para os fins do processo penal.
Artigo 25.º
Direito a indemnização e a restituição de bens
1 — À vítima é reconhecido, no âmbito do processo penal, o direito a obter uma decisão de indemnização por parte do agente do crime, dentro de um prazo razoável.
2 — Salvo necessidade imposta pelo processo penal, os objectos restituíveis pertencentes à vítima e apreendidos no processo penal são imediatamente examinados e devolvidos.
3 — Independentemente do andamento do processo, à vítima é reconhecido o direito a retirar da residência todos os seus bens de uso pessoal e exclusivo e ainda, sempre que possível, os seus bens móveis próprios, bem como os dos filhos ou adoptados menores de idade, os quais devem constar de lista disponibilizada no âmbito do processo sendo a vítima acompanhada, quando necessário, por autoridade policial.
Artigo 26.º
Celeridade processual
Os processos por crime de violência doméstica têm natureza urgente, ainda que não haja arguidos presos.
CAPÍTULO V
Justiça Restaurativa
Artigo 27.º
Encontro restaurativo
Durante a suspensão provisória do processo ou durante o cumprimento da pena pode ser promovido, nos termos a regulamentar, um encontro entre o agente do crime e a vítima, obtido o consentimento expresso de ambos, com vista a restaurar a paz e harmonia social, tendo em conta os legítimos interesses da vítima, garantidas que estejam as condições de segurança necessárias e a presença de um mediador.
Artigo 28.º
Apoio à mediação
O IAS apoia junto das entidades públicas e das entidades privadas a mediação restaurativa.
Artigo 29.º
Mediadores credenciados
1. O IAS credencia os mediadores para participarem no encontro restaurativo.
2. Para efeitos do previsto no número anterior, o IAS publica a lista dos mediadores credenciados no Boletim Oficial da RAEM.
3. A lista dos mediadores credenciados é revista anualmente.
CAPÍTULO VI
Disposições finais
Artigo 30.º
Protecção e assistência
1. O IAS toma as medidas necessárias para a protecção, assistência e aconselhamento a famílias em risco, nomeadamente, desenvolver e promover programas de assistência e de aconselhamento comunitários que visam a prevenção da violência doméstica.
2. Para efeitos de execução das medidas necessárias, pode o IAS solicitar a colaboração de entidades públicas ou privadas, nomeadamente o Corpo de Polícia de Segurança Pública, a Polícia Judiciária, os Serviços de Saúde, a Direcção dos Serviços de Educação e Juventude e o Instituto de Habitação, e estabelecer mecanismos regulares de comunicação com estas entidades.
3. O pessoal médico, docente e de serviço social de qualquer entidade privada têm o dever de comunicar, de imediato, ao IAS a suspeição da ocorrência de crime de violência doméstica no exercício da sua actividade profissional, mantendo-se, porém, a observância do dever de segredo.
Artigo 31.º
Comunicação das decisões
Os tribunais enviam ao IAS cópia das decisões proferidas em processo por crimes previstos na presente lei.
Artigo 32.º
Tratamento de dados pessoais
No estrito respeito pelos princípios e normas estabelecidos na Lei n.º 8/2005 o IAS pode proceder ao tratamento, interconexão e transferência de dados pessoais, na medida do necessário para os efeitos previstos no número 2 do artigo 14.º.
Artigo 33.º
Direito subsidiário
1. Ao crime previsto na presente lei são subsidiariamente aplicáveis as normas do Código Penal.
2. Na instrução dos processos pelo crime previsto na presente lei observam-se as regras constantes do Código de Processo Penal, com as especialidades constantes do capítulo IV.
Artigo 34.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no dia seguinte à sua publicação.
Aprovada em de de 2013.
A Presidente da Assembleia Legislativa, _________________
Lau Cheok Va
Assinada em de de 2013.
Publique-se.
O Chefe do Executivo, __________________
Chui Sai On